“Condeno energicamente o uso excessivo da força e as mortes, e estou trabalhando arduamente para que o confronto termine de modo pacífico”, escreveu no Twitter o vice-presidente do governo provisório, Mohammed el-Baradei. “Deus proteja o Egito e tenha piedade das vítimas”, completou. O ministro do Interior, Mohamed Ibrahim, que ordenou a dispersão do acampamento pró-Morsi, responsabilizou os militantes pela violência.
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Violência no Egito preocupa os EUAElBaradei 'condena energicamente' a morte de manifestantes no EgitoEgito: 2 mortos em protestos rivaisConfrontos entre manifestantes no Egito deixam cinco mortosMinistro do Egito alerta manifestantes após 72 mortesMédicos que atendiam dezenas de feridos em um hospital de campanha montado diante da mesquita de Raab al-Adawiya, em Nasr City, relataram mais de 75 mortes, e a reportagem da agência de notícias France-Presse contou 37 corpos no local. De acordo com os profissionais, a maioria das vítimas tinha ferimentos de bala na cabeça ou no peito, resultado de disparos feitos do alto por franco-atiradores. “Eles não estão atirando para ferir, estão atirando para matar”, afirmou o porta-voz da Irmandade Muçulmana, Gehad el-Haddad. Em uma contagem separada, porta-vozes do Ministério da Saúde registraram 38 vítimas no necrotério central do Cairo.
Choques com as forças de segurança e confrontos entre partidários e opositores de Morsi vinham se sucedendo desde o último dia 3, quando os militares afastaram o presidente , com um saldo acumulado de mais de 250 mortos. Mohammed Morsi, primeiro governante eleito na história milenar do Egito, foi detido e acusado de ter premeditado a morte de policiais quando liderou uma fuga em massa de prisioneiros ligados à Irmandade Muçulmana, no início de 2011 – durante a insurreição popular da Primavera Árabe, que derrubou a ditadura do general Hosni Mubarak. Desde então, militantes islâmicos estavam acampados diante de uma mesquita no Bairro Nasr City, na periferia leste da capital, mas na noite de sexta-feira as autoridades decidiram dispersar a vigília, “dentro dos limites da lei”, alegando “perturbação da ordem”.
A explosão de violência na capital acrescenta um ingrediente em um quadro político marcado pela instabilidade desde a queda de Mubarak, que governou o Egito por três décadas, virtualmente sem oposição. Com a saída do general e a organização de eleições livres, a Irmandade Muçulmana e grupos islâmicos salafistas, ainda mais radicais, emergiram das urnas com clara maioria, o bastante para dominar a assembleia que redigiu uma nova Constituição. O golpe militar contra Morsi acirrou ainda mais as disputas e abriu uma nova frente de batalha com células terroristas que vêm multiplicando os ataques contra instalações e unidades militares, principalmente na região do Sinai.
Transição caótica
Sílvio Queiroz
O ensaio para uma guerra civil no Egito, assim como as turbulências políticas nas vizinhas Tunísia e Líbia, parecem dar razão àqueles que, a exemplo do establishment político israelense, viram desde logo com desconfiança os rumos da chamada Primavera Árabe de 2011. Em Israel, que lamentou especialmente a queda do ditador egípcio Hosni Mubarak – em quem viam um parceiro confiável para gerir o impasse com os palestinos –, não foram poucos os que vaticinaram um "inverno fundamentalista" no horizonte das revoltas populares que varreram o Norte da África. Em comum, o processo nos três países mostra que a remoção súbita de um regime autoritário libera de maneira caótica energias políticas e sociais até então represadas. Na ausência de um poder central capacitado a impor a ordem – mesmo que à custa das liberdades democráticas –, o quadro que se desenha é de instabilidade, com risco de um mergulho na anarquia.