Jornal Estado de Minas

Sírios aguardam esperançosos intervenção dos EUA na guerra civil que assola o país

O medo da morte e a fome dão lugar à esperança de que uma ação militar liderada pelos Estados Unidos acelere o fim da guerra civil que já deixou mais de 100 mil mortos

Rodrigo Craveiro
A cidade cristã de Maalula - local foi palco de conflitos entre rebeldes sírios e soldados do regime no último sábado 7 - Foto: - / AFP
Para muitos sírios, o som das primeiras explosões de mísseis Tomahawk lançados pelos Estados Unidos – caso a intervenção militar ocorra – será o vislumbre do fim de um pesadelo. Há dois anos e meio, a rotina de milhões de pessoas tem sido marcada pelo medo da morte, pela fome e pelo luto. A esperança, no entanto, é ofuscada por uma dose de ceticismo, provocada pela inércia da comunidade internacional. O Estado de Minas entrevistou, por meio da internet, moradores de diferentes cidades da Síria. Em meio a histórias de horror e de sofrimento, eles contaram como veem a iminência de uma ofensiva norte-americana. “É responsabilidade do mundo deter os crimes de Bashar al-Assad”, opinou Abo al-Hareth, membro do Exército Sírio Livre (ESL), a principal força rebelde, e morador de Al-Ghouta, subúrbio da capital, Damasco, atacado com armas químicas em 21 de agosto. Ele defende que o Pentágono centralize o poder de fogo sobre depósitos de armas químicas, aeroportos militares, plataformas de mísseis e o palácio presidencial. “Queremos matar Al-Assad com nosssas próprias mãos. Se os EUA nos derem armas, será de grande ajuda”, acrescentou.
A guerra civil escasseou os alimentos, em Al-Ghouta. Dois anos atrás, um pão custava o equivalente a 5 centavos de dólar. Hoje, vale cinco vezes mais. Há um ano o bloqueio militar impede que comida e água potável cheguem a Homs, cidade situada 162km ao norte de Damasco. A população recorre a poços artesianos, e a água poluída começa a espalhar doenças. “Estamos prontos para uma intervenção militar e esperamos que ela interrompa o banho de sangue. Estamos cansados da guerra”, disse Rose Homsi, de 24 anos, que interrompeu a carreira de webdesigner para se dedicar ao ativismo. Ela acredita que os bombardeios americanos vão dar início a um conflito que se estenderá por anos. “Defendo qualquer ação que seja capaz de pôr fim à crise e de derrubar mortalmente o governo.”

Pouco mais ao norte, a 18km de Hama, o professor de inglês Hassan H., 32 anos, sente que sua vida está nas mãos do Exército de Al-Assad. Ele mora em Souran, uma cidade pobre, de 40 mil habitantes, fundada às margens da rodovia que liga Damasco a Aleppo. “As tropas estão a poucos metros daqui. Há pelo menos 10 postos de controle montados ao redor da cidade e 75 tanques cercam Souran”, relatou ele, sob a condição de não revelar seu sobrenome. “Vivemos em uma zona de guerra. Além de Hama, as cidades e vilarejos do entorno enfrentam uma falta de água há 20 dias. É um desastre. As pessoas compram água em caminhões-pipa e pagam caro”, acrescenta.

De acordo com ele, muitos conterrâneos duvidam de uma ofensiva contra Al-Assad. “Se os EUA atacarem, creio que não chegarão a degradar as capacidades do Exército sírio. Mas é preciso que todas as bases aéreas sejam destruídas”, opina Hassan. “Tenho 100% de certeza de que, se o palácio de Al-Assad for atingido, o Exército vai se desintegrar em minutos. Os soldados e os milicianos shabiha fugirão para a região costeira do Mediterrâneo”, prevê, referindo-se a uma facção armada que atua em prol do regime. O professor conta que já perdeu 10 familiares na guerra civil. “Foram executados de forma sumária ou morreram sob tortura.”

Em viagem a Damasco, onde comprava mantimentos para ativistas, Samer al-Husain, de 29 anos, contou que a população da capital está com medo de uma intervenção iminente. “Muitos armazenaram remédios e alimentos. Também começaram a comprar pães, alimentos não perecíveis e medicamentos para tratar ferimentos. Alguns fabricam, artesanalmente, máscaras de gás, pois o regime não distribui esses artefatos aos cidadãos”, relatou o morador de Hama. Samer diz que, nos últimos dias, as tropas de Al-Assad começaram a remover soldados para as escolas e deslocaram equipamentos militares. “Um bombardeio americano rápido e pontual é a melhor ação para minar as forças do regime. O Exército Sírio Livre poderá usar isso a seu favor e tomar as áreas militares do governo”, acrescenta. Ao mesmo tempo, ele admite que os sírios estão acostumados com a guerra. “É engraçado e triste ao mesmo tempo. Há gente sendo morta a apenas 2km de onde outros sírios fazem compras. Mas devemos continuar com nossas vidas. O que mais podemos fazer?”

A 348km a noroeste da capital, em Latakia, o estudante Ali W. Hassan antevê uma catástrofe. “Os EUA são a ‘liberdade’ que não queremos”, atesta. Ele crê que a ofensiva vai fazer com que a rede Al-Qaeda atue livremente, provocando um “genocídio”. “Seremos massacrados pelos americanos e transformados em facas nas mãos da Al-Qaeda. Que tipo de pessoa sã apoiaria ataques contra o próprio país?”, lamenta.

EVIDÊNCIAS

O jornal alemão Frankfurter Allgemeine Sonntagszeitung informou que resultados iniciais de testes de amostras coletadas por inspetores da ONU na Síria podem ser apresentados até o fim da semana em relatório preliminar com detalhes sobre o gás, a munição e a forma como ocorreu o ataque. Em seu site, o cineasta americano Michael Moore, conhecido por sua oposição às guerras dos EUA, divulgou um memorando escrito pelo grupo Veteran Intelligence Professionals for Sanity (Veteranos Profissionais de Inteligência pela Sanidade, em tradução livre) endereçado ao presidente dos EUA, Barack Obama. No texto, o grupo alerta sobre a veracidade das informações que culpam o governo sírio pelo ataque de 21 de agosto e afirma que “as mais confiáveis informações de inteligência mostram que Bashar al-Assad NÃO foi responsável pelo incidente químico" (grifo no original).