A presidenta Cristina Kirchner aceitou nessa quinta-feira o pedido de uma mãe para mudar o nome na carteira de identidade de menino argentino de seis anos, que desde os dois se considera menina e alterar oficialmente de gênero e nome. Antes de recorrer à presidenta, os pais já haviam feito o pedido para alterar o documento da criança, mas ele foi rejeitado três vezes pelo Registro de Pessoas da província de Buenos Aires. Um dos argumentos é que era preciso esperar a puberdade para tomar uma decisão.
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Aprovada em maio de 2012, a legislação permite a travestis e transexuais mudarem seus nomes nos documentos sem recorrer à Justiça. Pelas estimativas da Federação Argentina de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (FALGBT), a lei deve beneficiar 60 mil pessoas. “Esta foi a primeira vez que um Estado dá um documento novo a uma pessoa tão jovem, sem a intervenção de um juiz”, disse a psicóloga Valeria Pavan em entrevista à Agência Brasil. Pavan é psicóloga da família há dois anos.
“Conheci Lulu quando ela tinha 4 anos”, disse Pavan. “Na época chamava-se Manoel e era um menino triste. Chorava muito, se escondia debaixo da cama, vestia uma camiseta da mãe, que nele parecia um vestido e colocava um pano na cabeça para fingir que tinha cabelos longos. Desde os 2 anos ele soube que queria ser menina”, explicou.
Tanto Lulu, quando Manuel são nomes fictícios, que a família usou para divulgar o caso na imprensa e, ao mesmo tempo, proteger a privacidade da criança. O primeiro que percebeu que Manuel era diferente dos outros meninos foi seu irmão gêmeo. “Ele dizia à mãe que Manuel era uma menina, que só queria brincar de boneca, sem saber que estava dizendo uma verdade”, disse Pavan.
Segundo a psicóloga, as pessoas definem sua identidade cedo na vida. “Ouvi muitas histórias de vida, de adultos e adolescentes, que tem lembranças de como se sentiam mal, na própria pele, desde os 3 ou 4 anos”, disse Pavan. “A novidade, neste caso, é que os pais deram ouvidos à criança. Na maioria das vezes, não dão”.
Antes de recorrer a Pavan, a família tentou outros psicólogos, que recomendavam terapias envolvendo uma maior presença do pai – para que Manuel pudesse se identificar mais com o sexo masculino. “Mas a criança ficava cada vez mais triste”, conta a psicóloga. Até que, aos 4 anos, a mãe resolveu fazer a vontade do filho: passou a chamá-lo de Lulu e tratá-lo como menina. “Ela acha que tomou a decisão correta, porque antes tinha um menino triste, hoje ela diz que tem uma menina feliz”, disse Pavan. Feliz, mas com problemas.
Apesar de Manuel ter sido bem aceito na escola, após mudar sua aparência e nome, ele passava por situações desconfortáveis em qualquer outro espaço público, onde tinha que apresentar um documento de identidade – como na sala de emergência de um hospital, lotada de crianças e seus pais. Com o novo documento, isso não voltará a acontecer.
“Mas Lulu vai precisar de muito acompanhamento psicológico porque, apesar de o Estado ter aceito sua mudança de gênero e nome, ela não é igual às outras meninas. E vai ter que esperar até ser mais velha para fazer tratamentos hormonais ou cirurgias”, explicou Pavan. “Mas espero que esse caso, emblemático ajude outras famílias a ajudar seus filhos a sentirem-se cômodos com quem são”.
A Argentina é pioneira na defesa dos direitos de homossexuais e transexuais. A Lei de Identidade e Gênero também prevê tratamentos com hormônios e cirurgias gratuitas para mudar de sexo em hospitais públicos. Antes mesmo da lei entrar em vigor, em 2011, Angie Beatriz Alvarez – uma agente da polícia de Rosário (no interior da Argentina) conquistou o direito de usar uniforme feminino no trabalho. Também houve o caso da primeira professora transexual da rede de ensino público da cidade de Buenos Aires: Jose D’Oro foi casado e pai de duas filhas mas há seis anos decidiu que preferia ser chamado de Melissa e vestir-se como mulher.
A Argentina também foi um dos primeiros países a aprovar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.