Jornal Estado de Minas

Recuo de Berlusconi salva governo do premiê italiano Enrico Letta

AFP

Uma abrupta mudança de posição de Silvio Berlusconi, inicialmente comprometido com a queda do governo de Enrico Letta, permitiu a sobrevivência da coalizão graças a um voto de confiança no Senado.

Uma moção de apoio ao poder executivo foi aprovada por uma esmagadora maioria de 235 votos (maioria absoluta de 153) e apenas 70 votos contra.

Último a falar antes da votação, Berlusconi, de 77 anos, anunciou em tom sombrio o seu apoio ao "sim a Letta", com quem havia rompido no último sábado.

"Decidi, depois de um intrincado debate interno, votar a favor da confiança", anunciou Berlusconi ante o Senado, depois de ter provocado há quatro dias uma crise política ao pedir que os cinco ministros de seu partido se demitissem.

Isso não significa, entretanto, que Letta poderá contar com uma ampla maioria para governar.

Ele se disse consciente disso na Câmara dos Deputados, onde recebeu um outro voto de confiança, desta vez sem suspense, a ampla maioria de 435 votos (contra 162).

A decisão de Berlusconi surpreendeu principalmente os senadores de centro-esquerda que assistiram atônitos a sua declaração a favor de Letta.

Depois de ter anunciado durante todo o dia que seu partido, o Povo da Liberdade (PDL), votaria contra a moção de confiança, Berlusconi mudou de posição em uma breve declaração.

"A Itália necessita de um governo que realize as reformas", reconheceu o líder indiscutível da direita italiana, ao evitar o que poderia ter sido uma derrota pessoal histórica.

Seu breve discurso foi recebido por um silêncio atordoado de seus partidários, enquanto Letta se limitou a apertar sua mão em agradecimento.

O mercado de ações subiu após o anúncio de Berlusconi (1,4%), antes de retornar a um crescimento mais moderado (0,5% às 13h30 GMT). O mercado de títulos também subiu (4,34%).

Muitas negociações foram travadas durante toda a manhã, depois de um discurso muito forte de Letta, que falou de um "risco fatal" para a Itália em caso de queda de seu governo.

Berlusconi, de acordo com a sua comitiva, mudou de ideia várias vezes sobre o seu voto.

Para James Waltson, da Universidade Americana de Roma, "Berlusconi está tentando manter sua posição de influência dentro do governo e seu partido".

"O 'Cavaliere' capitula, o PDL no caos", era a manchete do La Stampa, que também falou de "tragédia humana" para Berlusconi, visto que o Senado segura a cabeça entre as mãos.

Certamente, foi a extensão de uma briga interna em seu partido que levou à sua mudança surpresa.

Para Maurizio Sacconi, um dos senadores rebeldes do PDL (23 chegaram a assinar um documento pró-Letta), Berlusconi teve que "levar em conta que apenas um quarto do partido era a favor da censura".

A rebelião foi organizada especialmente em torno do vice-primeiro-ministro Angelino Alfano, um advogado siciliano de 42 anos, considerado por muitos como o herdeiro político de Silvio Berlusconi.

Alfano, um dos ministros forçados a renunciar, mas também o número dois do PDL, chegou a dizer que gostaria ser um "berlusconiano ao contrário".

Ele desafiou publicamente o seu mentor terça-feira à noite pedindo a todos os parlamentares do PDL que votassem a favor de Letta.

Em declarações ao Senado, Letta defendeu os rebeldes, incluindo os do Movimento Cinco Estrelas do ex-comediante Beppe Grillo, dizendo que "não suporta mais as lições de moral dadas àqueles que mudam de opinião".

O "gesto louco" de ruptura de Berlusconi foi motivado pelo medo de perder em meados de outubro sua cadeira no Senado e, portanto, sua imunidade parlamentar depois de sua condenado definitiva em 1º de outubro à prisão por fraude fiscal.

Para Sandro Bondi, coordenador do PDL e que faz parte dos "falcões", Letta vai acabar com "uma aparência de governo". "Você conseguiu apenas um resultado: dividir o Povo da Liberdade", queixou-se.

Letta admitiu que teria agora "uma maioria diferente", e provavelmente mais apertada. Mas garantiu que "atingiremos todas as metas" para relançar o crescimento (econômico), os investimentos, a reforma eleitoral e a redução dos impostos sobre o trabalho.

Outra promessa: a presidência rotativa da União Europeia que a Itália assume a partir do segundo semestre de 2014 será "focada no crescimento e no emprego após uma década de austeridade".

Para Christian Schulz, do Berenberg Bank, uma vitória para Letta pode ser sinônimo de "confiança renovada na Itália e em toda a zona do euro".