Governar a França tem se mostrado uma tarefa mais complicada que a encomenda para o presidente François Hollande, o primeiro socialista eleito para o cargo em 17 anos. As recorrentes promessas de retomar o crescimento econômico e reduzir o desemprego parecem, mais uma vez, resumir-se a declarações de intenções, como indicou relatório divulgado na última semana pela Comissão Europeia — o dossiê revisou para baixo o crescimento de toda a Zona do Euro, em 2014, e para cima a estimativa para o total de desempregados na França. Na sexta-feira, a agência Standard & Poor’s rebaixou a classificação dos títulos da dívida francesa.
Polêmicas sobre impostos, políticas migratórias insatisfatórias e uma aparente indecisão renderam a Hollande a pior avaliação da história recente do país, com taxa de aprovação de 26%. No vácuo deixado pelas legendas tradicionais, a extrema-direita ganha fôlego e firma-se como a terceira força política, ameaçando não apenas o PS, mas também a direita clássica, representada pela União por um Movimento Popular (UMP), do ex-presidente Nicolas Sarkozy.
Descrita como uma espécie de “Tea Party francês”, a Frente Nacional (FN), liderada por Marine Le Pen, de 43 anos, promete fechar as fronteiras, tomar distância da globalização e afrouxar as medidas de austeridade. Alistair Cole, professor de política europeia e especialista em política francesa pela Universidade de Cardiff, não estranha que a FN esteja se fortalecendo. “Le Pen teve bom resultado nas eleições de 2012 e, na história da França, a extrema-direita sempre apresenta progresso quando a esquerda está no poder”, observa.
Em meados de outubro, nas eleições locais de Brignoles, no Sul do país, a virada à direita tomou a forma de números. O candidato da FN, Laurent Lopez, conquistou 53,9% dos votos no segundo turno, provocando mal-estar entre o PS e a UMP. O primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault, ao comentar o resultado, disse que “Brignoles não é a França”. Ayrault poderá testar sua avaliação nas eleições municipais de março. Marine Le Pen, ao comemorar a vitória do mês passado, fez o próprio diagnóstico: “Este resultado aponta uma vontade de mudança dos franceses”.
De olho nas presidenciais de 2017, a extrema-direita aposta também nas eleições de maio para o Parlamento Europeu, onde a França ocupa 72 assentos. Uma pesquisa de intenção de votos feita pelo Institut Français d’Opinion Publique (Ifop) mostra que 24% dos franceses pretendem votar na FN, que aparece em primeiro lugar. “Pela primeira vez, em uma pesquisa eleitoral de âmbito nacional, a Frente Nacional está claramente à frente”, destacou o instituto. A UMP registrou 22% das preferências, e o PS, 19%.
RADICAIS O difícil momento da União Europeia alavanca as chances de os ultradireitistas se destacarem não apenas na França, arrisca Cole. Ele acredita, porém, que, apesar do apoio crescente, os radicais não serão maioria. “A extrema-direita se sairá bem, mas o centro de gravidade provavelmente vai se manter com os partidos de centro-direita e de centro-esquerda”, prevê o especialista da Universidade de Cardiff. Estevão Martins, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB), lembra que existe uma espécie de “trauma” com a ultradireita na França. “As pessoas criaram uma espécie de recuo politicamente correto. Acredito que a FN conseguirá algumas vitórias em razão do desencanto da população, mas, observando o histórico do país, acho pouco provável que a FN conquiste mais de 20% dos votos”, analisa.
Vista como esperança pela classe trabalhadora, a mais afetada pela crise e a mais inclinada a aceitar as políticas anti-imigração e anti-UE, Le Pen está longe de agradar a todos. Parte dos esforços de Marine, que herdou a liderança do pai, Jean-Marie Le Pen, se foca em desvincular a FN da imagem xenófoba formada ao longo dos anos. Carismática, a nova líder apresenta a tradicional cartilha da legenda de forma mais leve e é acusada de maquiar convicções radicais. O advogado do partido chegou a ameaçar com processos pessoas que se referissem à FN como “extremista” – alerta ignorado por grande parte dos adversários, por estudiosos e pela mídia.
Greve no futebol
Determinado a taxar em 75% as empresas que pagam salários superiores a 1 milhão de euros por ano, François Hollande pode enfrentar nova onda de protestos. Depois de trabalhadores e estudantes, jogadores de futebol e dirigentes de clubes ameaçam declarar greve. Sem acordo para negociar a cobrança de caráter temporário, apoiada pela maior parte da população, o presidente da União de Clubes Profissionais (UCPF), Jean-Pierre Louvel, disse, na semana passada, que os times não entrarão em campo entre 29 deste mês e 2 de dezembro, na primeira greve do futebol francês desde 1972. De acordo com os cartolas, o pagamento do imposto vai diminuir a competitividade dos clubes e causar dificuldades financeiras.
Impopular à direita e à esquerda
Sem o apoio de uma parcela dos eleitores esquerdistas e com 97% dos direitistas desde sempre em oposição ao seu governo, François Hollande tem mais três anos e meio para colocar a França em ordem. Mas, em meio a crescentes discussões sobre a perda da confiança internacional no país, os protestos internos tiram o sossego do presidente socialista. Na última semana, cerca de 30 mil manifestantes prometeram transformar a região da Bretanha, no extremo Noroeste, no “cemitério de Hollande”. Passeatas contra a repatriação de estudantes imigrantes, insatisfação com a posição do governo em favor de uma intervenção militar na Síria tomada e constantes gafes e contradições entre altos funcionários complicam o panorama.
“Hollande é um camarada sem cor e sem carisma, que ganhou as eleições por causa do desgaste das opções políticas”, analisa Estevão Martins, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB). “As primeiras providências tomadas pelo governo, nesse tempo em que está no poder, foram ações criticadas violentamente pelos socialistas no governo anterior, e que, muitas vezes, estão sendo adotadas de forma ainda mais dura”, observa.
Hollande apertou o cerco contra os endinheirados, mas as políticas de austeridade causaram problemas para os trabalhadores e para os pequenos empresários. A revolta interna é tão intensa e generalizada que parte da imprensa passou a qualificar a situação do país como “calamitosa”. Isso levou o ministro das Finanças, Pierre Moscovici, a admitir que a população “está de saco cheio”, confirmando a necessidade de uma saída urgente para a crise.
Na última quinta-feira, o presidente apelou para a memória histórica da nação, na tentativa de conquistar mais simpatia e apoio popular. “Tudo é possível com a vontade humana”, disse Hollande durante o início das celebrações pelo centenário da Primeira Guerra Mundial. “Quero dar um sentido a esse ato de comemoração. Um lembrete de que a república passou por provações terríveis e sempre se reergueu”, acrescentou.
Três perguntas para Michel Winock - escritor, historiador e professor emérito do Institut d'Études Politiques e cofundador da revista L'Histoire
Hollande é o presidente mais impopular da história da França. Por que seu governo é visto como tão ineficiente?
Primeiramente, em razão de uma conjuntura muito preocupante: a dívida, o déficit orçamentário, a falta de crescimento, o desemprego... Hollande não transmite a sensação de que está no controle da situação. Ele não tem carisma, talento pedagógico, e seu governo carece de unidade e de homogeneidade. O que existe é mais uma perda de confiança na classe política da França, em geral, o que afeta a imagem de um presidente.
Como a extrema-direita, com Marine Le Pen, está tirando proveito desse descontentamento?
É essa desconfiança, alimentada pela decepção, que alimenta o voto de protesto. A insegurança, a imigração, o medo do islã, além do desemprego e das dificuldades econômicas. No poder desde 2012, a esquerda parece tão incapaz quanto a direita de lidar com os problemas reais e os perigos imaginários. Marine Le Pen tem focado suas ações no eleitorado economicamente mais desfavorecido, tornando-se uma “tribuna do povo”. A esquerda tenta disputar esse posto com Jean-Luc Mélenchon (líder da Frente de Esquerda), mas em vão.
Quais as principais reivindicações dos eleitores?
A obsessão dos franceses é com o desemprego. A principal expectativa é voltar a ter trabalho. A questão da imigração é mais um problema cultural do que um problema demográfico: a importância quantitativa dos muçulmanos na França preocupa, pois o processo de integração parece emperrado. Marine Le Pen se beneficia disso. (GW)
Polêmicas sobre impostos, políticas migratórias insatisfatórias e uma aparente indecisão renderam a Hollande a pior avaliação da história recente do país, com taxa de aprovação de 26%. No vácuo deixado pelas legendas tradicionais, a extrema-direita ganha fôlego e firma-se como a terceira força política, ameaçando não apenas o PS, mas também a direita clássica, representada pela União por um Movimento Popular (UMP), do ex-presidente Nicolas Sarkozy.
Descrita como uma espécie de “Tea Party francês”, a Frente Nacional (FN), liderada por Marine Le Pen, de 43 anos, promete fechar as fronteiras, tomar distância da globalização e afrouxar as medidas de austeridade. Alistair Cole, professor de política europeia e especialista em política francesa pela Universidade de Cardiff, não estranha que a FN esteja se fortalecendo. “Le Pen teve bom resultado nas eleições de 2012 e, na história da França, a extrema-direita sempre apresenta progresso quando a esquerda está no poder”, observa.
Em meados de outubro, nas eleições locais de Brignoles, no Sul do país, a virada à direita tomou a forma de números. O candidato da FN, Laurent Lopez, conquistou 53,9% dos votos no segundo turno, provocando mal-estar entre o PS e a UMP. O primeiro-ministro Jean-Marc Ayrault, ao comentar o resultado, disse que “Brignoles não é a França”. Ayrault poderá testar sua avaliação nas eleições municipais de março. Marine Le Pen, ao comemorar a vitória do mês passado, fez o próprio diagnóstico: “Este resultado aponta uma vontade de mudança dos franceses”.
De olho nas presidenciais de 2017, a extrema-direita aposta também nas eleições de maio para o Parlamento Europeu, onde a França ocupa 72 assentos. Uma pesquisa de intenção de votos feita pelo Institut Français d’Opinion Publique (Ifop) mostra que 24% dos franceses pretendem votar na FN, que aparece em primeiro lugar. “Pela primeira vez, em uma pesquisa eleitoral de âmbito nacional, a Frente Nacional está claramente à frente”, destacou o instituto. A UMP registrou 22% das preferências, e o PS, 19%.
RADICAIS O difícil momento da União Europeia alavanca as chances de os ultradireitistas se destacarem não apenas na França, arrisca Cole. Ele acredita, porém, que, apesar do apoio crescente, os radicais não serão maioria. “A extrema-direita se sairá bem, mas o centro de gravidade provavelmente vai se manter com os partidos de centro-direita e de centro-esquerda”, prevê o especialista da Universidade de Cardiff. Estevão Martins, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB), lembra que existe uma espécie de “trauma” com a ultradireita na França. “As pessoas criaram uma espécie de recuo politicamente correto. Acredito que a FN conseguirá algumas vitórias em razão do desencanto da população, mas, observando o histórico do país, acho pouco provável que a FN conquiste mais de 20% dos votos”, analisa.
Vista como esperança pela classe trabalhadora, a mais afetada pela crise e a mais inclinada a aceitar as políticas anti-imigração e anti-UE, Le Pen está longe de agradar a todos. Parte dos esforços de Marine, que herdou a liderança do pai, Jean-Marie Le Pen, se foca em desvincular a FN da imagem xenófoba formada ao longo dos anos. Carismática, a nova líder apresenta a tradicional cartilha da legenda de forma mais leve e é acusada de maquiar convicções radicais. O advogado do partido chegou a ameaçar com processos pessoas que se referissem à FN como “extremista” – alerta ignorado por grande parte dos adversários, por estudiosos e pela mídia.
Greve no futebol
Determinado a taxar em 75% as empresas que pagam salários superiores a 1 milhão de euros por ano, François Hollande pode enfrentar nova onda de protestos. Depois de trabalhadores e estudantes, jogadores de futebol e dirigentes de clubes ameaçam declarar greve. Sem acordo para negociar a cobrança de caráter temporário, apoiada pela maior parte da população, o presidente da União de Clubes Profissionais (UCPF), Jean-Pierre Louvel, disse, na semana passada, que os times não entrarão em campo entre 29 deste mês e 2 de dezembro, na primeira greve do futebol francês desde 1972. De acordo com os cartolas, o pagamento do imposto vai diminuir a competitividade dos clubes e causar dificuldades financeiras.
Impopular à direita e à esquerda
Sem o apoio de uma parcela dos eleitores esquerdistas e com 97% dos direitistas desde sempre em oposição ao seu governo, François Hollande tem mais três anos e meio para colocar a França em ordem. Mas, em meio a crescentes discussões sobre a perda da confiança internacional no país, os protestos internos tiram o sossego do presidente socialista. Na última semana, cerca de 30 mil manifestantes prometeram transformar a região da Bretanha, no extremo Noroeste, no “cemitério de Hollande”. Passeatas contra a repatriação de estudantes imigrantes, insatisfação com a posição do governo em favor de uma intervenção militar na Síria tomada e constantes gafes e contradições entre altos funcionários complicam o panorama.
“Hollande é um camarada sem cor e sem carisma, que ganhou as eleições por causa do desgaste das opções políticas”, analisa Estevão Martins, professor de relações internacionais da Universidade de Brasília (UnB). “As primeiras providências tomadas pelo governo, nesse tempo em que está no poder, foram ações criticadas violentamente pelos socialistas no governo anterior, e que, muitas vezes, estão sendo adotadas de forma ainda mais dura”, observa.
Hollande apertou o cerco contra os endinheirados, mas as políticas de austeridade causaram problemas para os trabalhadores e para os pequenos empresários. A revolta interna é tão intensa e generalizada que parte da imprensa passou a qualificar a situação do país como “calamitosa”. Isso levou o ministro das Finanças, Pierre Moscovici, a admitir que a população “está de saco cheio”, confirmando a necessidade de uma saída urgente para a crise.
Na última quinta-feira, o presidente apelou para a memória histórica da nação, na tentativa de conquistar mais simpatia e apoio popular. “Tudo é possível com a vontade humana”, disse Hollande durante o início das celebrações pelo centenário da Primeira Guerra Mundial. “Quero dar um sentido a esse ato de comemoração. Um lembrete de que a república passou por provações terríveis e sempre se reergueu”, acrescentou.
Três perguntas para Michel Winock - escritor, historiador e professor emérito do Institut d'Études Politiques e cofundador da revista L'Histoire
Hollande é o presidente mais impopular da história da França. Por que seu governo é visto como tão ineficiente?
Primeiramente, em razão de uma conjuntura muito preocupante: a dívida, o déficit orçamentário, a falta de crescimento, o desemprego... Hollande não transmite a sensação de que está no controle da situação. Ele não tem carisma, talento pedagógico, e seu governo carece de unidade e de homogeneidade. O que existe é mais uma perda de confiança na classe política da França, em geral, o que afeta a imagem de um presidente.
Como a extrema-direita, com Marine Le Pen, está tirando proveito desse descontentamento?
É essa desconfiança, alimentada pela decepção, que alimenta o voto de protesto. A insegurança, a imigração, o medo do islã, além do desemprego e das dificuldades econômicas. No poder desde 2012, a esquerda parece tão incapaz quanto a direita de lidar com os problemas reais e os perigos imaginários. Marine Le Pen tem focado suas ações no eleitorado economicamente mais desfavorecido, tornando-se uma “tribuna do povo”. A esquerda tenta disputar esse posto com Jean-Luc Mélenchon (líder da Frente de Esquerda), mas em vão.
Quais as principais reivindicações dos eleitores?
A obsessão dos franceses é com o desemprego. A principal expectativa é voltar a ter trabalho. A questão da imigração é mais um problema cultural do que um problema demográfico: a importância quantitativa dos muçulmanos na França preocupa, pois o processo de integração parece emperrado. Marine Le Pen se beneficia disso. (GW)