Johanesburgo – Os sul-africanos se uniram na despedida de Nelson Mandela, buscando assimilar que o ex-presidente, considerado pai da nação, não está mais entre eles. Muitos ainda se declaravam em choque com a morte de um homem que se tornou um símbolo mundial de reconciliação e de coexistência pacífica. Os 52 milhões de habitantes do país se dividiam entre os que celebravam o legado do líder com cantos e danças e os que temiam que a morte do herói antiapartheid possa deixar o país vulnerável novamente a tensões raciais e sociais.
Apesar das garantias de líderes e figuras públicas de que a morte de Mandela, ao mesmo tempo que penosa, não vai impedir que a África do Sul siga avançando e se distanciando do passado amargo do apartheid, alguns ainda expressam inquietações sobre a ausência física do homem que ganhou fama como um agente da paz. “Não vai ser bom. Eu acho que vai se tornar um país mais racista”, disse Sharon Qubeka, de 28 anos, uma secretária da comunidade de Tembisa, que se dirigia ao trabalho em Johanesburgo. “Mandela era o único que mantinha as coisas unidas”, disse.
Os tributos ocorreram em vários partes do mundo, mas para a África do Sul, no entanto, a perda de seu líder mais amado ocorre no momento em que a nação, depois de ganhar reconhecimento global com o fim do apartheid, vive crescentes conflitos trabalhistas, protestos contra serviços precários, pobreza, criminalidade, desemprego e escândalos de corrupção que atingem o governo do presidente Jacob Zuma.
Muitos sul-africanos compareceram a cultos religiosos em homenagem ao primeiro presidente negro do país. Entre os participantes estava outro veterano da luta contra o apartheid, Desmond Tutu, ex-arcebispo anglicano da Cidade do Cabo. Ele disse que, como todos os seus compatriotas, estava “devastado” com a morte de Mandela. “Vamos lhe dar o presente de uma África do Sul unida, uma só”, disse Tutu ao celebrar missa na catedral anglicana de St. George, na Cidade do Cabo.
A ausência de Mandela tem um impacto moral para a sociedade sul-africana, que enfrenta um período de inquietações. Muitos consideram que a África do Sul atual – país mais rico do continente, mas também um dos mais desiguais do mundo – continua distante de ser a “nação do arco-íris”, com prosperidade comum e paz social, que o ex-presidente proclamou como seu ideal ao deixar a prisão, em 1990, após 27 anos de confinamento por sua oposição ao regime segregacionista. “Eu sinto como se eu tivesse perdido meu pai, alguém que cuidava de mim. Como negro sem conexões você já sai em desvantagem”, disse o segurança Joseph Nkosi, de 36 anos, que vive em Alexandra, um subúrbio de Johanesburgo. “Agora, sem Madiba (seu nome do clã), sinto que não tenho chance. Os ricos vão ficar mais ricos e simplesmente nos esquecerão. Os pobres não importam para eles. Olhe os nossos políticos, eles não têm nada a ver com Madiba.”
Porém, contrariando esse discurso, Tutu buscou afastar a ideia de que a morte de Mandela poderá reacender fantasmas da violência vista no apartheid. “Sugerir que a África do Sul poderia se acender em chamas – como alguns previram – é desacreditar os sul-africanos e o legado de Madiba”, disse o religioso, ganhador do Prêmio Nobel da Paz. “O sol vai nascer amanhã, e no dia seguinte, e no outro. Pode não parecer tão brilhante quanto ontem, mas a vida vai continuar.”