A regulação do consumo de maconha no Uruguai provoca cautela entre seus vizinhos, que preferem evitar o tema ou reforçar a proibição, apesar do odor da erva também estar impregnado nas cortinas de suas casas.
"Creio que o Brasil não está preparado para isso. Não acho que vá ocorrer (uma legalização da maconha). É um tema que tem muita rejeição agora, muitas distorções. Pode-se discutir, mas só isso", afirmou à AFP Henrique Eduardo Alves, presidente da Câmara de Deputados brasileira.
Curiosamente, a lei promovida por José Mujica, o presidente do pequeno país com pouco mais de três milhões de habitantes, preocupa e muito alguns setores no Brasil, com seus 200 milhões de habitantes. Também deixou abismada a Argentina, assustou o Paraguai e causou ceticismo no México, cuja violenta guerra contra o narcotráfico deixou cerca de 70.000 mortos desde 2006.
"Muitas cidades na fronteira do Brasil (com o Uruguai) podem ser uma porta de entada para a maconha, especialmente o Rio Grande do Sul", advertiu o deputado brasileiro Osmar Terra, do PMDB.
Depois dos Estados Unidos, o Brasil é o segundo consumidor mundial de cocaína e crack, abastecido por importantes produtores de coca, como Peru e Colômbia.
E apesar do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) defender a legalização da maconha depois de sua saída do poder, o governo da presidente Dilma Rousseff enfrentou a alta do consumo de drogas com maior repressão ao tráfico nas fronteiras.
No entanto, a possibilidade de que a maconha uruguaia seja exportada para seus vizinhos parece distante. Oitenta por cento da maconha no Brasil provém do Paraguai, segundo a Polícia Federal.
A nova lei uruguaia, que será votada nesta terça-feira, prevê um registro dos consumidores de maconha e um limite de compra de 40 gramas mensais em farmácias: será um mercado fechado e controlado pelo Estado. Os preços serão módicos - quase um dólar o grama - e não diferenciados para evitar a concorrência entre fornecedores.
Vizinhos cautelosos
A Argentina está na vanguarda da região em temas como aprovação do casamento homossexual, mas não parece ainda pronta para seguir os passos de seu vizinho uruguaio.
Recentemente, o secretário de Segurança argentino, Sergio Berni, considerou esta possibilidade "digna de ser estudada", mas acrescentou que é um tema muito complexo, que deve ser analisado com responsabilidade.
"A Argentina está muito mais atrasada que o Uruguai em relação à políticas de drogas. Enquanto que no Uruguai os usuários não são criminalizados e se discute a forma mais eficaz para que possam exercer seu direito, na Argentina mais de 8.000 consumidores de drogas são criminalizados todos os anos há mais de duas décadas", afirmou à AFP Sebastián Basalo, diretor da THC, "a revista argentina da cultura 'canábica'".
No Chile, o cultivo de maconha é punido com até cinco anos de prisão, assim como sua venda, ao contrário de seu consumo pessoal e em particular. Os usuários se queixam, no entanto, de não saberem direito o "quanto" significa este uso pessoal.
Mas o programa da ex-presidente chilena Michelle Bachelet, favorita para vencer o segundo turno de 15 de dezembro, propõe revisar a conveniência de manter a maconha como droga ilícita, tal como foi considerada em uma lei ditada quando governou o país de 2006 a 2010.
No Paraguai, o maior produtor de maconha da região, o presidente Horacio Cartes é contrário à legalização. "A situação do tráfico de drogas não vai mudar com a legalização de uma droga. É uma utopia", afirmou.
Enquanto isso, seu governo promove um centro de pesquisa para estudar as propriedades da maconha visando a elaborar políticas de Estado com uma base científica.
O México se mostra cético. "As mudanças de estratégias unilaterais não oferecerão uma solução para um problema de ultrapassa fronteiras", afirmou recentemente o chanceler mexicano José Antonio Meade.
'Turismo ecológico'
Para alguns setores conservadores uruguaios, assim como existem "tours gastronômicos" em Lima ou do vinho em Santiago, Montevidéu poderá converter-se num paraíso para consumidores de maconha que não podem obter a droga em seu próprio país.
"Virão do Brasil, da Argentina, para consumir no Uruguai", afirmou Pedro Bordaberry, senador uruguaio do Partido Colorado e um dos presidenciáveis para 2014, falando ao canal Globo News.
Apesar de a norma proibir a compra de maconha por parte de estrangeiros não residentes, Bordaberry considera que os uruguaios que não consumirem sua parte vão comprar e revender o produto aos visitantes. "Como fazer para controlar isso?", questiona.
Dessa forma, enquanto o pequeno país progressista pode fumar maconha, o resto da região parece aplicar as duas regras que muitos consumidores usam em Brasília quando são abordados pela polícia: a primeira, negar sempre que consumiu maconha e, a segunda, jamais quebrar a primeira regra.