Jornal Estado de Minas

Obama e Raul Castro trocam aperto de mão histórico em homenagem a Mandela

AFP

Na homenagem ao falecido líder da luta pelos direitos humanos, Nelson Mandela, nesta terça-feira no estádio sul-africano de Soweto, uma das cenas mais marcantes foi, certamente, o aperto de mãos trocado entre o presidente americano, Barack Obama, e o líder cubano Raúl Castro.

Obama ofereceu este cumprimento histórico antes de subir na tribuna para pronunciar seu discurso, em um novo sinal de sua vontade de se aproximar de antigos inimigos dos Estados Unidos, informou uma autoridade do governo americano à AFP.

Pouco depois, um funcionário da Casa Branca ressaltou que o aperto de mãos não tinha sido planejado.

"Acima de tudo, o dia de hoje foi de homenagens a Nelson Mandela, e esse foi o foco do presidente na cerimônia", relativizou.

Na ilha comunista, site governista Cubadebate.cu saudou esse aperto de mãos como um gesto de esperança.

"Obama saúda Raúl: que esta imagem seja o início do fim das agressões dos Estados Unidos a Cuba", indicou o site, exibindo uma foto de ambos os líderes.

Os Estados Unidos mantêm um embargo de cinco décadas ao governo comunista da ilha, que Havana afirma ter custado à economia do país US$ 1,1 trilhão.

"Isto é extraordinariamente simbólico e não se deve desperdiçar esta oportunidade de que tenham se conhecido e apertado as mãos. Agora o próximo passo é começar a negociar", afirmou à AFP o acadêmico Esteban Morales, especialista em relações entre os dois países.

O jornal oficial cubano Granma incluiu a foto do cumprimento em sua edição digital, mas sem fazer comentários. Já o analista Arturo López-Levy, da Universidade de Denver, Colorado, alertou que "não se pode exagerar um simples aperto de mãos", lembrando o encontro entre Fidel Castro e Bill Clinton em 2000.

"A diferença é que naquela dia foi o final da presidência de Clinton e este é o primeiro ano do segundo mandato de Obama", ressaltou.

Em um comentário enviado à AFP, o analista Jorge Gómez Barata considerou que a coincidência de Raúl e Obama estarem na África do Sul parecia fruto de uma "mediação de Mandela", mesmo depois de morto.

"Outra razão para ser agradecido a Nelson Mandela", concordou Orlando Márquez, porta-voz da Arquidiocese de Havana.

No entanto, o gesto foi minimizado pelos representantes da dissidência.

"Acho que o cumprimento foi algo normal dentro dos limites do protocolo e da boa educação. Isso não muda o fato de que o governo de Cuba continua sendo o principal violador dos direitos civis e políticos nas Américas", afirmou o ativista Elizardo Sánchez.

O aperto de mãos foi visto por milhares de pessoas de todo o mundo que assistiam à cerimônia em homenagem a Mandela ao vivo e acontece no momento em que Obama tenta cumprir sua promessa de dialogar até mesmo com o mais implacável dos inimigos dos Estados Unidos, o Irã.

Em setembro, o líder americano conversou por telefone com o presidente iraniano, Hassan Rohani, no primeiro gesto desse tipo desde a Revolução de 1979 na República Islâmica.

Com Cuba, os Estados Unidos mantêm relações limitadas há meio século, a maior parte desse período sob o governo do irmão de Raúl, Fidel Castro, e o destino do país comunista é um assunto amargo na política interna americana.

Cubano-americanos fortemente contrários a Castro compõem uma parcela considerável de eleitores e possíveis doadores na Flórida, um estado-chave onde as eleições americanas podem ser decididas.

Como candidato presidencial, Obama foi taxado tanto de ingênuo quanto de perigoso por rivais de ambos os partidos por sugerir que, como presidente, estaria disposto a dialogar com inimigos sem pré-condições.

A habilidade de Obama em rastrear e matar Osama Bin Laden e uma série de ataques de drones o distanciaram das acusações de fraqueza em política externa e segurança, mas o presidente foi cuidadoso nesta terça-feira ao criticar líderes opressores em seu discurso, com Castro a apenas alguns metros de distância.

"Há muitos líderes que dizem se solidarizar com a luta de Madiba pela liberdade, mas não toleram a dissidência de seu próprio povo", declarou.

Não está claro se o aperto de mãos desta terça contribuirá para descongelar significativamente as relações. Em 2000, o então presidente Bill Clinton cumprimentou Fidel Castro da mesma forma na Assembleia Geral da ONU, em Nova York.

Mas nenhuma imagem do momento foi captada e a Casa Branca negou inicialmente que ele tivesse ocorrido.

Havana e Washington não mantêm relações diplomáticas desde 1961, dois anos após Fidel Castro chegar ao poder na Revolução Cubana.

Desde que Obama chegou ao poder, as tensões diminuíram, e ambos os países assinaram diversos acordos - encarados como medidas de construção de confiança - incluindo cooperação em resgate marítimo e aéreo e questões migratórias.

Em 2011, Obama flexibilizou as restrições a vistos, remessas e viagens.

A ação foi concebida para expandir viagens religiosas e educacionais, permitir que qualquer aeroporto ofereça voos charter para o país e restaurar iniciativas culturais suspensas pelo governo anterior, de George W. Bush.

Há negociações em andamento para retomar um serviço postal direto entre os dois países.