O sim no referendo constitucional no Egito deve ter uma vitória arrasadora sem surpresa, com as novas autoridades encarando o resultado nesta quinta-feira como uma aprovação popular à destituição do presidente islâmico Mohamed Mursi pelo Exército há seis anos.
Na noite desta quinta-feira, a Presidência comemorou a "forte participação" na votação realizada na terça e na quarta-feira e mencionou em um comunicado "um belo dia para o Egito e a democracia", sem, no entanto, revelar a taxa de participação.
O porta-voz do governo, Hani Salah, havia dito na quarta-feira à AFP que as autoridades esperavam "uma taxa de participação de mais de 50%".
Segundo a agência oficial Mena, a taxa de participação foi de 39% em 20 das 27 províncias do país, incluindo as mais populosas, como a do Cairo.
O jornal do governo Al-Ahram havia indicado anteriormente que o "Sim" atingia 90%. A Constituição elaborada durante o governo de Mohamed Mursi em 2012 conseguiu 64% de "Sim", mas apenas 33% dos eleitores foram votar.
Os resultados definitivos são aguardados para a noite de sábado.
O referendo sobre a nova Constituição, uma revisão sem uma mudança maior da anterior, assemelha-se a um plebiscito popular sobre o novo homem forte do país, o general Abdel Fattah al-Sissi, que anunciou que vai se candidatar à eleição presidencial se "o povo pedir".
Quando ele anunciou, no dia 3 de julho, a derrubada de Mohamed Mursi, Sissi afirmou que atendia a um desejo de milhões de manifestantes que exigiam a queda do primeiro presidente democraticamente eleito da história do Egito, mas os pró-Mursi --reprimidos violentamente-- o acusam de ter liderado um "golpe de Estado".
A votação de terça e quarta-feira é "também um referendo sobre o dia 30 de junho", data em que Mursi foi derrubado, considerou Hani Salah.
Mencionando a influente Irmandade Muçulmana de Mursi, declarada "terrorista", Salah afirmou: "Estamos decididos a avançar, queiram eles ou não. Eles vivem em um mundo virtual. Na vida real, não há volta".
A coalizão favorável a Mursi --atingida por uma repressão que deixou mais de 1.000 mortos e causou milhares de prisões-- denunciou nesta quinta a "farsa" do referendo, e convocou novas manifestações.
Os egípcios a favor de Mursi tinham pedido um boicote ao referendo, e nenhuma campanha foi feita a favor do "Não".
Um estudante morto no Cairo
A Transparência Internacional acusou as autoridades do governo de terem "estimulado abertamente" o voto pelo texto e denunciou uma "cobertura tendenciosa" da imprensa, quase que totalmente a favor das novas autoridades.
Além disso, acrescenta a ONG, "o governo intimidou, prendeu e perseguiu aqueles que criticavam (o texto) pacificamente, bloqueando o espaço democrático".
Nesta quinta, a imprensa saudava a primeira etapa da "transição democrática" prometida pelos militares, que deve ser concluída ao fim das eleições legislativas e da eleição presidencial em 2014.
Com a proximidade destes desafios, o chefe do Exército, que também é vice-primeiro-ministro e ministro da Defesa, não escondeu suas intenções: três dias antes do referendo, ele prometeu se candidatar à magistratura suprema "se o povo pedir", sempre fazendo apelos por uma votação arrasadora pelo "Sim".
Nos centros de votação, quase todos os eleitores consultados pela AFP disseram que pretendem votar "no general Sissi" e "contra a Irmandade Muçulmana", que venceu todas as eleições desde a revolta de 2011.
Durante os dois dias, mais de 450 pessoas foram detidas por terem "perturbado as operações eleitorais". Na terça, nove pessoas morreram durante manifestações pró-Morsi, enquanto uma bomba de baixo poder de destruição explodiu no Cairo. Nesta quinta, novos confrontos deixaram um estudante morto, perto da Universidade do Cairo.
Washington pediu um referendo "transparente", mas uma cláusula deve ser votada esta semana pelo Congresso autorizando o fornecimento de cerca de um bilhão de dólares ao Egito, em uma ajuda essencialmente militar que tinha sido parcialmente suspensa depois de 3 de julho.
O projeto de Constituição elimina cláusulas que abriam caminho para uma islamização da lei, mas não modifica profundamente os poderes institucionais e reforça ainda mais o peso do Exército na vida política.