Jornal Estado de Minas

Francisco provoca mudança de tom no Vaticano

Primeiro papa latino-americano, que faz um ano de pontificado em 19 de março, abriu várias frentes para reformar a instituição, seguindo de perto o que ocorre no mundo

Gustavo Werneck

- Foto: REUTERS/Alessandro Bianchi


Terça-feira faz um ano que novos caminhos se abriram na história da Igreja Católica. Entre surpreso e estupefato, o mundo viu, em 11 de fevereiro de 2013, Bento XVI apresentar a sua renúncia – a primeira de um papa em seis séculos. Era um dia de carnaval, também dedicado a Nossa Senhora de Lourdes e aos enfermos, quando o cardeal alemão Joseph Ratzinger, hoje com 86 anos, anunciou a decisão de deixar o trono de São Pedro, a chefia da Cúria Romana e a posição de líder de 1,2 bilhão de fiéis. Pouco mais de um mês depois, em 13 de março, o conclave elegeu o argentino Jorge Mario Bergoglio, jesuíta, que escolheu o nome de Francisco e se tornou o primeiro pontífice latino-americano.

“Sem Bento XVI não teríamos Francisco”, destaca o responsável pelo programa brasileiro da Rádio Vaticano, o fluminense de Barra do Piraí padre César Augusto dos Santos. “A renúncia foi um gesto de desprendimento, de desapego ao cargo, algo muito importante nesse tempos”, conta o religioso, que estava chegando a Roma, depois de férias no Brasil, quando foi feito o anúncio oficial que “pegou todos de surpresa”. Sobre o papa Francisco, diz se tratar de um grande pastor, pessoa excelente, que gosta do contato com as pessoas e tem uma humildade sincera e verdadeira.

Em quase 12 meses houve mudanças, troca em postos importantes, realização da Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro (RJ), e brasileiros ocupam lugar de destaque na estrutura da Cúria Romana. Em especial dom João Braz de Aviz, atual prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica no Vaticano, que cuida das congregações religiosas e tem status de ministério, e dom Ilson de Jesus Montanari, escolhido por Francisco para secretário da Congregação para os Bispos e secretário do Colégio Cardinalício, responsável pela eleição de um novo pontífice.
“Se dom Odilo Scherer não tivesse saído da comissão responsável pelo Banco do Vaticano, chamado oficialmente de Instituto de Obras Religiosas (IOR), teríamos uma ‘santíssima trindade’ de brasileiros na Santa Sé”, comenta, com bom humor, o jornalista mineiro e estudioso, J. D. Vital, autor do livro Como se faz um bispo.

Paulista de Sertãozinho, dom Ilson Montanari teve ascensão rápida no pontificado de Francisco e é considerado homem de confiança do Santo Padre. Em outubro, foi nomeado novo secretário da Congregação para os Bispos, em substituição a dom Lorenzo Baldisseri, núncio apostólico no Brasil (embaixador do Vaticano) de 2002 a 2012 e recém-nomeado para a secretaria-geral do sínodo (assembleia de bispos do mundo inteiro), que, em outubro, terá como tema de discussão a família. “Dom Ilson, de 54 anos, era um oficial da Congregação para os Bispos e foi nomeado bispo rapidamente. Aliás, foi elevado à condição dupla de bispo e arcebispo”, lembra Vital. “E ele escolheu o arcebispo de Ribeirão Preto (SP), dom Moacir Silva, o arcebispo de São Paulo, cardeal dom Odilo Scherer, e o arcebispo metropolitano de Belo Horizonte, dom Walmor Oliveira de Azevedo, de quem é grande amigo”.

O jornalista afirma que o Brasil já teve outros nomes de relevância no Vaticano e cita dom Lucas Moreira Neves (1925-2002), mineiro de São João del-Rei, na Região do Campo das Vertentes, que foi secretário da Sagrada Congregação para os Bispos e do Sagrado Colégio dos Cardeais, além de prefeito da Sagrada Congregação dos Bispos no Vaticano, atuando nos pontificados de Paulo VI (1897-1978) e João Paulo II (1920-2005); dom Cláudio Hummes, prefeito da Congregação para o Clero; e dom Agnelo Rossi (1913-1995), prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos.

EXPERIÊNCIA PASTORAL

Integrante da Congregação para a Doutrina da Fé, o arcebispo metropolitano de BH, dom Walmor Oliveira de Azevedo, afirma que se trata de um “período de transformações aceleradas e de grandes questionamentos, que exige da Igreja novos caminhos para o anúncio do evangelho. As rápidas mudanças, com muita frequência, são acompanhadas de graves crises de sentido e perdas de referência. Nesse cenário, o papa Francisco reúne as características essenciais para conduzir a barca de São Pedro, como a sólida preparação intelectual de um jesuíta, além de larga e admirável experiência pastoral. É importante destacar também a sua simplicidade, que o faz alcançar o coração de todos com suas palavras e ensinamentos”.



Segundo dom Walmor, o mundo testemunha “a simplicidade evangélica do papa, que se traduz pela proximidade, sobretudo dos que são mais pobres e sofredores. Conduzida pelo papa Francisco, a Igreja tem assumido com maior intensidade a vivência desta simplicidade evangélica”. Na exortação apostólica Evangelii Gaudium, acrescenta, o papa Francisco diz que é hora de se compreender e testemunhar a dimensão social da fé, como força e instrumento de uma nova ‘escuta’ prioritária dos pobres, trabalhando para respeitar o povo, de muitos rostos e necessidades. “Essa exortação apostólica traduz bem o caminho que está sendo seguido pela Igreja a partir da liderança do papa Francisco. Todos têm a consciência de que há muito para fazer, mas, certamente, percebe-se que a Igreja, assim como o papa, vem priorizando cada vez mais o diálogo com os diversos segmentos, sempre na condição de servidora dos pobres.”

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