Após a intensa onda de violência que tomou conta de Kiev e as sanções feitas pela União Europeia contra o país, o presidente da Ucrânia Viktor Yanukovytch cedeu e e admitiu a realização de eleições antecipadas em 2014. Além disso, Yanukovytch se comprometeu a criar um governo de união nacional nos próximos 10 dias.
A notícia foi dada pelo primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, depois de uma reunião entre os ministros das Relações Exteriores da UE e o chefe de Estado. "Chegou-se a um acordo com Yanukovytch para a realização de eleições presidenciais e parlamentares este ano e para a criação de um governo de união nacional nos próximos dez dias", declarou Tusk à imprensa.
Contudo, o próprio Tusk se mostrou cético. "A experiência nos mostrou que os compromissos assumidos pela administração ucraniana raramente são respeitados", acrescentou.
Em um comunicado divulgado pelo governo alemão depois de conversas telefônicas entre os líderes de Alemanha, Estados Unidos e Rússia, a chanceler alemã, Angela Merkel, o presidente americano, Barack Obama, e o presidente russo, Vladimir Putin, consideraram necessário "encontrar uma solução política para a crise na Ucrânia o mais rapidamente possível".
Dia mais violento desde o início das manifestações
A intensa atividade diplomática acontecia enquanto a Ucrânia atravessa um dos momentos mais dramáticos da sua história. De acordo com os serviços médicos que cuidam dos manifestantes, 75 oposicionistas morreram nos confrontos na Maidan, a Praça da Independência, ocupada há três meses por milhares de pessoas contrárias ao presidente Viktor Yanukovytch.
"Mais de 60 manifestantes morreram, todos baleados", informou à AFP o médico oposicionista Sviatoslav Janenko. O governo informou que três policias foram mortos.
Se as informações forem confirmadas, o número de vítimas dos últimos três dias vai se aproximar de 100, incluindo 13 policiais.
Na terça, uma operação para retomar a praça encontrou uma violenta resistência. Os choques entre manifestantes e forças de ordem causaram 28 mortes. Já as autoridades de Kiev anunciaram um total de 75 mortes nesta semana.
Um jornalista da AFP observou oito corpos diante da sede do Correio Central e dez diante do hotel Kozatski. Outro repórter viu sete corpos na entrada do hotel Ukraina, do outro lado da praça, onde era possível observar muitos rastros de sangue. Os disparos vieram tanto das linhas da polícia como de prédios nos arredores.
O Ministério do Interior admitiu ter usado armas de fogo. "Com a intenção de preservar as vidas dos agentes da força pública (...) foi tomada a decisão de usar armas em legítima defesa", segundo um comunicado. O ministério também denunciou o sequestro de 67 policiais e prometeu recorrer a "todos os meios" para libertá-los.
Outros incidentes foram registrados em outras cidades do país, principalmente no leste, onde o apoio a uma aproximação com a Europa é maior. Esta é a maior crise na ex-república soviética desde a independência, em 1991.
UE negocia e adota sanções
Em meio ao auge da violência, os ministros das Relações Exteriores de Alemanha, França e Polônia reuniram-se com Yanukovytch com o objetivo de buscar uma saída pacífica para a crise, segundo fontes diplomáticas alemãs. As propostas também seriam apresentadas à oposição, garantiu a fonte.
Os três ministros, que iriam viajar à tarde para a reunião de emergência da UE em Bruxelas, decidiram prolongar sua vista até sexta. Mas isso não impediu o bloco de cancelar os vistos e congelar os bens daqueles que têm as "mãos manchadas de sangue" na Ucrânia, anunciou a chefe da diplomacia italiana.
"Em estreita coordenação com os três ministros que estão negociando em Kiev, tomamos a decisão de agir rapidamente para cancelar os vistos e congelar os bens dos que têm as mãos manchadas de sangue", declarou Emma Bonino, após a reunião de crise.
"A responsabilidade pela violência cabe ao regime, mas não podemos ignorar que existem grupos extremistas e infiltrados. Direcionamos (a medida) a todos aqueles que estão manchados de sangue", acrescentou.
No entanto, até o momento não foi estabelecida uma lista precisa, segundo fontes diplomáticas. Bonino pediu também um "diálogo crítico" com a Rússia. Além disso, os europeus chegaram a um acordo para flexibilizar o regime de vistos para "as pessoas feridas e os dissidentes". A UE está disposta a fornecer uma ajuda médica e humanitária à Ucrânia, explicou Bonino.
Putin também envia mediador
O presidente russo, Vladimir Putin, também enviou um representante à Ucrânia, a pedido de Yanukovytch, para mediar as negociações com a oposição, segundo a agência Ria Novosti.
O chanceler Sergei Lavrov sugeriu na quarta que a UE "utilize seus contatos com a oposição para encorajá-la a cooperar com as autoridades e a se distanciar de forças radicais que causaram confrontos sangrentos e estão a caminho de um golpe de Estado".
Nesta quinta, o primeiro-ministro russo, Dimitri Medvedev, aconselhou Yanukovytch a manter sua atitude de firmeza. "O poder deve se concentrar em defender as pessoas e as forças de segurança, que preservam os interesses do Estado", afirmou. Estava prevista para esta semana o envio de 2 bilhões de dólares para em ajuda da Rússia à Ucrânia.
Prefeito de Kiev deixa partido de Yanukovytch
A indignação contra a violência veio tanto de dentro como de fora do país. O prefeito de Kiev anunciou que abandonava o partido do presidente Viktor Yanukovytch, como forma de protesto contra os confrontos no centro da capital ucraniana.
"Estou disposto a tudo para deter a luta fratricida e o banho de sangue no coração da Ucrânia, na Praça da Independência", disse Volodimir Makeienko.
"A vida humana deve ser o valor supremo de nosso país, e nada deve contradizer este princípio", acrescentou o prefeito, informando o abandono do Partido das Regiões, no poder.
Já o governo britânico convocou seu embaixador ucraniano em Londres, pela segunda vez em dois dias, para expressar sua "grande preocupação com as notícias de mais mortos e mais violência", e lembrá-lo que a intervenção "contra manifestantes pacíficos na Praça da Independência é inaceitável", indicou um comunicado.
Na cidade russa de Sochi, onde estão sendo realizados os Jogos Olímpicos de Inverno, uma esquiadora ucraniana anunciou que estava se retirando da competição, em protesto pelo uso da força contra os manifestantes em Kiev.