Em um escritório de Kiev, dezenas de investigadores aficcionados se laçam sobre uma montanha de papel picado para tentar reconstruir documentos que supostamente provam a corrupção do regime do deposto presidente ucraniano, Viktor Yanukovytch.
Como crianças na escola fazendo colagens, estudantes, trabalhadores ou aposentados colam com infinita paciência pequenos pedaços de papel em folhas coloridas que em seguida são numeradas, escaneadas e arquivadas.
Estes voluntários esperam que essas pilhas de documentos destruídos quando Yanukovytch deixou o governo tragam revelações sobre o uso de fundos públicos durante a sua presidência.
Graças a um complexo programa capaz de juntar pedaços de arquivos, eles tentarão reconstruir expedientes para, nos próximos meses ou anos, apresentar denúncias ou recuperar fundos roubados.
"É importante entender o que fizeram o nosso presidente e os criminosos em torno dele. Causaram muitos danos ao país", diz Serguii Sushitski, um ex-executivo comercial.
"Isso me deixa louca! Poderíamos ser ricos. Esse dinheiro é nosso", diz, com os olhos cheio de lágrimas, Lena Svitovets, uma ex-agente imobiliária.
Svitovets e Sushitski fazem parte de um grupo de cerca de 60 voluntários que são responsáveis por cerca de 30 sacos de lixo confiscados nos escritórios do misterioso oligarca Serguii Kurchenko, membro da chamada "família", o círculo interno, de Yanukovytch.
As novas autoridades de Kiev abriram uma investigação por desvio de fundos por Kurchenko, de 28 anos, dono da Forbes Ucrânia e do clube de futebol Metalist Kharkiv.
Além disso, Kurchenko está em uma lista de pessoas sancionadas pela União Europeia (UE).
Os voluntários já processaram vários sacos de documentos encontrados na luxuosa residência de Yanukovytch, nos arredores de Kiev, encontrados em um poço, rasgados no último momento.
Um dos documentos que sobreviveram é um caderno do chefe da segurança pessoal de Yanukovytch, Kostiantin Kobzar, publicado juntamente com outras revelações no site recém-criado YanukovychLeaks.org.
Suas anotações rabiscadas continham a agenda diária de Yanukovytch e referências sobre a vigilância de jornalistas que estavam investigando a corrupção no governo do presidente deposto.
Uma parte não datada do caderno descreve o grampeamento do telefone de Tetiana Chornovol. A agressão contra Chornovol, espancada em 25 de dezembro, mostra, segundo os opositores de Yanukovytch, a brutalidade de seu governo.
Assim, o caderno indica: "Chornovol foi a Maidan", depois "23h10: desligou o telefone" e " 23h50: religou", em seguida: "23h50: começou a operação de limpeza" e "1h00: pronto".
Irina Pogorzhelska, historiadora da moda no século XVIII, que supervisiona o trabalho das equipes de voluntários, trata de entender precisamente o que revelam estes e outros fragmentos sobre os anos de poder de Yanukovytch.
"Eu gosto de arquivos", diz, enquanto enumera os documentos.
"Para mim é como um romance policial. Eu sinto a adrenalina real. Saber o que significa esses documentos", acrescenta.
Pogorzhelska mostra os plantas de um arquiteto para a construção de uma nova residência de luxo para Yanukovytch, que chegou a ser concluída.
"Encontramos um dispensador de papel higiênico que custou 280 EUR", comenta.
Para o jornalista Serguii Leschenko, que também investigou a corrupção no governo do presidente Yanukovytch, "se o Ministério Público não quer investigar essas coisas, dizendo que não há provas de corrupção, vocês podem procurar o que está na internet."