Jornal Estado de Minas

Qual a viabilidade econômica para a Crimeia sem a Ucrânia?

Dinheiro assegurado por Moscou para a Crimeia é menos da metade do que a Ucrânia gasta por ano na região. Empresas e indústrias temem perdas

AFP

Casal passeia no centro de Simferopol, cidade da Crimeia, que daqui a dois dias passará por referendo para decidir se continuará com a Ucrânia ou se tornará parte da Rússia - Foto: DANIEL LEAL OLIVAS/AFP


À margem do referendo de domingo na Crimeia sobre sua anexação à Rússia, há uma importante questão sobre o futuro desta península: quais serão as consequências econômicas para a região caso decida cortar os laços com a Ucrânia? Uma semana antes da votação, um parlamentar russo anunciou que Moscou estava pronto para fornecer uma ajuda de mais de um bilhão de dólares a esta península no sul da Ucrânia, ponto de acesso estratégico ao Mar Negro, e que está sob controle russo.

Por parte da Ucrânia, Kiev promete "cobrir todas as despesas orçamentais na Crimeia (...) a Crimeia será financiada, como de costume", segundo o ministro das Finanças da Ucrânia, Oleksandr Chlapak. A Ucrânia assegura aos dois milhões de habitantes da Crimeia, cuja área é ligeiramente menor do que a da Bélgica, 85% dos recursos hídricos da península e 82% de sua eletricidade, afirma o especialista em energia Mykhailo Gonchar, do centro Nomos em Kiev, contactado pela AFP. As necessidades de gás da Crimeia são cobertas pela empresa estatal Tchornomornaftogaz, que extrai 1,6 bilhões de metros cúbicos de gás natural do Mar Negro a cada ano, ressalta o especialista.

No entanto, se a Crimeia fizer parte da Rússia, esta última "não será capaz de compensar os recursos de curto prazo que a Ucrânia fornece à Crimeia, porque não existe infraestrutura entre a Rússia e a Crimeia", avisa. Um pequeno trecho de mar separa a Rússia do extremo leste da Crimeia, e apesar de o primeiro-ministro russo, Dmitri Medvedev, ter assinado em 3 de março um decreto sobre a construção de uma ponte, esta ficaria pronta apenas em alguns anos.


Militares são visão comum no dia a dia da Crimeia, desde a queda do ex-presidente Yanukovytch - Foto: DANIEL LEAL OLIVAS/AFP

O problema do turismo

Para a Crimeia, um destino privilegiado na era soviética e até hoje muito procurado por turistas russos, o turismo é um dos principais pilares de sua economia. Mas, com a chegada das tropas russas e navios de guerra, os resorts, como os de Yalta e Evpatoria, já temem perdas e uma péssima temporada turística.

"Muitas pessoas decidiram não ir para a Crimeia, porque é perigoso, não é um lugar seguro", explica Sevguil Mousaïeva, famoso jornalista ucraniano. "No ano passado, mais de dois milhões de turistas passaram pela Crimeia, o que vai ser este ano? Eu não consigo imaginar", preocupa-se o jornalista.

As empresas, que correm o risco de perder seus clientes se a Crimeia passar a integrar a Rússia, "estão chocadas com esta situação. Elas não conseguem acreditar. Ontem era um território ucraniano, agora há um monte de soldados perto dos escritórios, muitas bandeiras russas nas prefeituras, escolas".

As companhias não têm cedido ao pânico, segundo o jornalista, mas a situação econômica da península, que já não era positiva, pode piorar à medida que a crise diplomática se agrave.

considera Olexiï Chorik, presidente do Fundos de Desenvolvimento para a Crimeia.

Um território perdido

Além do turismo, um dos motores da economia da península é a agricultura, que é "altamente dependente dos recursos hídricos que vêm do resto da Ucrânia, por isso todos temem os cortes caso a situação piore", observa Chorik. "É ridículo dizer que haverá investimentos na Crimeia, se o desconforto continuar. A Crimeia é um território perdido para o desenvolvimento econômico", diz ele. Quarta-feira, os líderes autoproclamados da Crimeia avisaram que iriam começar a invcadir as empresas estatais ucranianas, assegurando que não tocariam nas empresas privadas.

A cada ano, a Ucrânia gasta 2,8 bilhões de hryvnia (220 milhões de euros) na Crimeia, segundo Valerii Tchali, vice-diretor do Centro Razumkov, um think-tank com sede em Kiev, e ex-vice-ministro das Relações Exteriores da Ucrânia. Se Moscou pagar os 1,1 bilhões de dólares como declarou o parlamentar russo Pavel Dorokhine, membro da comissão parlamentar da Duma sobre a indústria, "não será o suficiente para manter as novas autoridades e garantir todos os benefícios dos cidadãos da Crimeia", incluindo as pensões e salários, declarou à AFP Tchali.

E se a economia sofre por ter cortado seus laços com a Ucrânia, esta última não verá nenhuma diferença, pelo menos no curto prazo, acredita Tchali. "A economia local da Crimeia no produto interno bruto da Ucrânia não exceda 3%, por isso não é uma grande perda por agora. Mas as consequências a longo prazo serão mais sensíveis", advertiu.

.