Anchieta disparou na estreita pista para a santidade só no ano passado, embora o clamor pela canonização tenha surgido logo após sua morte, no século 16. Num café da manhã na Casa de Santa Marta, onde o papa Francisco mora em Roma, d. Raymundo Damasceno, arcebispo de Aparecida e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), pediu atenção especial da parte do pontífice para a canonização do beato. Falou da obra missionária do jesuíta nascido nas Ilhas Canárias, que chegou jovem ao Brasil com os primeiros colonizadores. Francisco ouviu com atenção e prometeu acompanhar de perto o processo canônico deste seu irmão de ordem.
Pouco depois, o cardeal Amato chamaria os postuladores da causa de Anchieta para lhes dizer: "Sua Santidade quer responder positivamente ao pedido de Raymundo".
"Tínhamos de nos concentrar em três pontos: a antiguidade da causa, sua continuidade ininterrupta e sua amplitude", enumera. Antiguidade e continuidade foram fáceis de provar. A amplitude da causa, demonstrando a abrangência da devoção a Anchieta, constitui parte documental com dados interessantes. Ainda que o jesuíta tenha circulado pelos Estados de São Paulo, Bahia, Rio e Espírito Santo, existe capela em sua honra até no Piauí, com devotos, rezas e lembrancinhas.
Foram deixadas de lado as buscas pelas curas de um jesuíta que amealhou, ainda em vida, fama de taumaturgo - milagreiro, em suma - para se reorganizar todo o processo em torno de valores e de suas virtudes heroicas. Mas padre César Augusto ainda hoje contabiliza as supostas curas de Anchieta, algumas em fase de comprovação. É o caso de um bebê que nasceu no Rio, nos anos 1960, sem o osso do calcanhar, e que os pais rezavam, tocando o pezinho com relíquia abençoada do jesuíta. O osso se formou, sem justificativa científica, e hoje o bebê é uma médica saudável.
A família só revelou o caso após a beatificação do jesuíta por João Paulo II. Padre Simão de Vasconcelos, historiador do século 17, já mencionava passagens miraculosas, como a ferida no rosto de um indiozinho que sumiu após o toque e a bênção de Anchieta.
Mas a reverberação do novo status do jesuíta, no contexto da Igreja, se dá, acima de tudo, pela maneira como foi canonizado. Santo mais pelo que fez do que pelo que se supõe ter feito, Anchieta integra o bloco das seis canonizações equivalentes de Francisco: juntam-se a ele a mística italiana Angela de Foligno (1248-1309), o jesuíta francês Pedro Fabro (1506-1546), a missionária canadense Maria Guyart (1599-1672), o bispo franco-canadense Francisco de Montmorency-Laval (1623- 1708) e o papa italiano João XXIII (1881-1963), santo dentro de alguns dias.
Hoje a pergunta nos círculos teológicos é: a ortodoxia na postulação à santidade não conta tanto nos dias atuais? O atual papa está menos preocupado com milagres do que com o testemunho da fé de uma vida exemplar? Ao que parece, sim, concordam especialistas. Em apenas um ano de papado, Francisco só perde em canonizações equivalentes - consideradas extraordinárias pela Igreja - para Leão XIII, ao longo de 20 anos.