Jornal Estado de Minas

João Paulo II, o "atleta" de Deus

AFP

Carismático, intransigente quanto a moral e os costumes, conservador e moderno ao mesmo tempo, o polonês João Paulo II, que será canonizado em 27 de abril por Francisco, viajou por todos os continentes e é adorado por muitos fiéis como "o atleta de Deus".

Este papa, que governou a Igreja por quase 27 anos, ocupou um espaço de destaque no cenário internacional com suas posições a favor dos direitos humanos, mas também por sua proximidade com os jovens.

Karol Wojtyla, que chegou a ser fotografado em esquis ou numa piscina, encarnou uma imagem de força e modernidade.

Com ele, a Igreja ocupou as manchetes dos jornais e os católicos passaram a se sentir mais confiantes.

Sua vida parece ter saído de um romance. Nascido em 18 de maio de 1920 em Wadowice (sul da Polônia), órfão de mãe aos nove anos de idade, foi criado por seu pai, um oficial de carreira. Sua infância foi marcada pela ausência da presença materna e sua vida dedicada à Virgem Maria, modelo de esposa e mãe. A cruz também é central em sua espiritualidade.

Durante a terrível ocupação nazista na Polônia, participava de um grupo de teatro, entrou em um seminário clandestino e trabalhou em uma fábrica. Líder dos jovens, se apaixonou. Apesar do amor pelo teatro, abandonou os palcos por uma paixão ainda maior: a fé.

Em 1º de novembro de 1946 foi ordenado padre. Quando foi eleito chefe da Igreja, em 1978, o primeiro papa eslavo tinha 58 anos.

Muito rapidamente, promoveu o contato direto com a multidão.

Poliglota e filósofo, nunca temeu o encontro com o mundo da cultura.

O Vaticano era muito pequeno para ele. Multiplicou as viagens, da savana africana aos Andes, de Manhattan para as favelas do Rio de Janeiro. Sabia como atrair a atenção, com gestos fortes em direção aos excluídos e reforçando o sentimento de universalidade da Igreja.

'Garoto-propaganda do Evangelho'

Seu carisma era evidente, mesmo em países muçulmanos. Ele sabia se portar em frente a uma multidão e também se manifestar contra situações sociais injustas e a máfia.

Os meios de comunicação o apelidaram de "garoto-propaganda do Evangelho", o "atleta de Deus". Ele criou a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que reúne a cada edição milhões de jovens. Uma intuição muito importante após o desconforto do pós-Concílio.

Em 13 de maio de 1981, o extremista turco Mehmet Ali Agca o feriu gravemente com três tiros na Praça de São Pedro. À beira da morte, atribuiu sua sobrevivência à intercessão da Virgem Maria. Superou o atentado e ficou mais popular do que nunca.

O início de seu declínio físico começou em 1994. O Mal de Parkinson afetou seu trabalho, tornando lenta todas as suas atividades.

O mundo inteiro acompanhou sua agonia, um martírio vivido com coragem e acompanhado quase ao vivo em 2005.

Sua vida coincidiu com as reviravoltas da História. Wojtyla resistiu a dois regimes do totalitarismo - o nazismo e o stalinismo -, e contribuiu para a vitória do movimento "Solidariedade" na Polônia e com a queda do Muro de Berlim, marcando o colapso do comunismo no Velho Continente.

Este senso de história o levou a "arrependimentos" pelo mal causado pelos cristãos, especialmente contra os judeus. Arrependimentos, por vezes, mal compreendidos na Igreja.

Ele também lutou contra o capitalismo desenfreado, criticando o que considerava seus frutos: o hedonismo e o relativismo.

Os compromissos deste homem de paz não foram todos bem sucedidos. Ele se opôs, em vão, à intervenção dos Estados Unidos no Iraque, em 2003.

E, às vezes, pareceu apoiar ditadores, prococando decepção.

Linha conservadora

Inclassificável, sempre esteve aberto para os problemas econômicos, o diálogo com o Islã e o Judaísmo. Inaugurou encontros inter-religiosos em Assis.

Ao mesmo tempo, reforçou a linha conservadora da Igreja sobre a família, a moral e a sexualidade. Esta doutrina estrita, direta, lhe valeu muitas inimizades, mas também popularidade entre alguns.

Sua condenação da contracepção e dos preservativos em plena expansão da Aids criou uma lacuna de incompreensão.

Sua defesa da Igreja e a falta de ação contra os abusos dos pedófilos também lhe renderam fortes críticas. Desconfiando das calúnias do serviço secreto comunista, ele se recusou a ouvir as acusações sobre o mexicano Marcial Maciel, fundador dos Legionários de Cristo, corrupto e pedófilo.

Outro ponto de discórdia, principalmente na América Latina, foi provocado por sua posição muito dura contra a "teologia da libertação", que ele acusava de desvios marxistas.

"Ele era um homem de convicções, não de dúvidas, e também um místico que tinha os pés no chão", diz um de seus assessores mais próximos, o cardeal Giovanni Battista Re.

O prelado italiano ressalta que a sua energia estava na oração, inclusive em suas viagens. Ele dizia que as grandes decisões deviam ser tomadas de "joelhos".

Em 1989, recebeu no Vaticano o líder soviético Mikhail Gorbachev, dizendo: "Eu me preparei para este encontro orando por vocês".

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