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Estado de Minas

Espanha, um país sem um profundo sentimento monárquico


postado em 02/06/2014 14:46

A Espanha, sacudida pela abdicação do rei Juan Carlos I em favor de seu filho Felipe de Bourbon nesta segunda-feira, é um país que nos últimos séculos mostrou um apoio volátil aos seus reis, substituídos em duas ocasiões por repúblicas ligadas a movimentos sociais.

"Para além do rei Juan Carlos", elogiado por seu importante papel na transição após a ditadura franquista (1939-1975), "na Espanha não há um sentimento profundamente monárquico", explica José Antonio Zarzalejos, ex-diretor do jornal conservador ABC.

Designado pelo próprio Franco para sucedê-lo, Juan Carlos, que chegou ao trono no dia 22 de novembro de 1975, instaurou a democracia vencendo a resistência da direita mais conservadora. Conquistou, com isso, uma legitimidade que, uma geração mais tarde, cabe ao seu filho defender.

Educado cuidadosamente para ser rei, com instrução militar, estudos de Direito e um mestrado em Relações Internacionais nos Estados Unidos, o futuro Felipe VI, que fala fluentemente vários idiomas, terá de lidar bem com essas forças para ganhar os espanhóis.

"A maioria dos cidadãos espanhóis não é nem monárquica, nem republicana. Consideram que são formas de governo e, de forma pragmática, consideram que se qualquer uma das duas formas funciona, está bem", afirma o historiador José Varela Ortega.

Ao contrário de países como a Grã-Bretanha, onde "a Coroa faz parte da ideia de país, é identificada com a nação", na Espanha "não há um sentimento monárquico" arraigado historicamente, afirma este neto do grande filósofo espanhol José Ortega y Gasset.

As dinastias dos Trastâmaras, dos Habsburgos e dos Bourbons se sucederam desde o século XIV, com o parêntese de José Bonaparte - imposto por seu irmão Napoleão entre 1808 e 1813 - e de um herdeiro da casa de Saboia, Amadeu I - que reinou pouco mais de dois anos até a proclamação da I República, em 1873.

"A Espanha teve muitas monarquias, mas nunca foram muito próximas da população, foram monarquias à força", explica Fermín Bouza, professor de Sociologia na Universidade Complutense de Madri.

"Tudo o que estiver vinculado à monarquia é um pouco forçado, por mais que em algum momento, como o da transição, tenha sido um agente tranquilizador para o povo", considera, lembrando que a Coroa não gozava de grande apoio popular na época da morte de Franco.

Desde a chegada dos Bourbons franceses, em 1700, e a criação com eles de um Estado centralizado, a popularidade dos reis foi volátil.

Embora alguns, como Carlos III (1759-1788), tenham gozado de um grande apoio, "existiram Bourbons que tiveram momentos de popularidade e de difamação", lembra Zarzalejos.

Fernando VII foi chamado de "Rei Desejado" quando chegou em 1808 ao trono, após a abdicação de seu pai Carlos IV, para reinar durante dois meses e ser preso por Napoleão. No entanto, após seu retorno, em 1813, sua imagem mudou pelo fato de ele ter revogado a Constituição liberal de 1812 e restaurado o absolutismo.

Sua filha Isabel II (1833-1868) também foi, a princípio, considerada uma rainha liberal frente aos carlistas, conservadores partidários de seu tio Carlos, mas terminou enfrentando um levante revolucionário que a levou ao exílio em Paris e acabou provocando a breve e instável I República, entre fevereiro de 1873 e dezembro de 1874.

Mais um exemplo é o de Alfonso XIII, avô de Juan Carlos, que ficou contra o país quando, depois de "conduzir muito bem a alternância entre liberais e conservadores" no governo durante anos, apoiou em 1923 a ditadura do militar Miguel Primo de Rivera, explica Zarzalejos.

Na época, lembra Bouza, ocorreu uma "explosão de republicanismo nas grandes cidades" que levou em 1931 à II República, encerrada com a Guerra Civil (1936-1939).

"Era algo que estava cantado, que se via que estava vindo e que a qualquer momento pode voltar a acontecer", se o mal-estar social crescer, adverte o sociólogo, porque na Espanha "a república sempre esteve atrelada a reivindicações sociais".

Os escândalos que marcaram os últimos anos do reinado de Juan Carlos, como os problemas judiciais de seu genro Iñaki Urdangarin, também colocaram em xeque a legitimidade da Coroa.

Essas questões provocaram "a reativação de um debate que há muitos anos não acontecia realmente: a respeito da república", afirma Bouza.


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