Gestos de camaradagem entre soldados inimigos, deserções e rendições coletivas expressaram a rejeição à Primeira Guerra Mundial e desencadearam crises como as de 1917 nos exércitos francês, russo e italiano e, no final do conflito, na Alemanha e na Áustria-Hungria.
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O historiador americano Leonard V. Smith, da Universidade de Oberlin (Ohio), contabilizou os países onde foram conservados os registros de cerca de 1.800 soldados fuzilados por insubordinação durante o conflito: 750 italianos, 650 franceses, 346 britânicos, 48 alemães e 11 americanos.
Esses dados são evidentemente incompletos, e não só por falta de arquivos dos exércitos russo e otomano. De acordo com os historiadores, também não se sabe o número de execuções sumárias em plena batalha de soldados que se negavam a obedecer uma ordem, "para dar o exemplo".
Ainda assim, as execuções, sumárias ou não, parecem uma realidade relativamente marginal diante dos dez milhões de homens que foram para o combate.
Mas, marginal ou não, foi uma realidade que marcou profundamente os soldados e que as autoridades trataram de acobertar imediatamente.
"Feliz Natal"
A reabilitação dos fuzilados foi um tema sensível durante quase um século. A Grã-Bretanha deu um passo em 2006 e a França, de maneira indireta, em 2013, quando o presidente François Hollande pediu que seja reservado a eles um espaço no Museu do Exército.
As autoridades trataram de esconder também o fenômeno das confraternizações. Uma das mais célebres aconteceu no Natal de 1914, quando soldados franceses, escoceses e alemães saíram de suas trincheiras para se confraternizar e jogar futebol. O caso foi tirado do esquecimento em 2005 pelo filme "Joyeux Noël" (Feliz Natal), do diretor francês Christian Carion.
Esses atos de camaradagem entre inimigos causaram consternação nos Estados maiores, mas foram reprimidos com alguma moderação (degradações e imposição de trabalhos pesados).
Os oficiais dos dois lados se empenharam em impedir que essas iniciativas voltassem, sem êxito. De acordo com inúmeros testemunhos, durante os períodos de calma nas grandes batalhas, os soldados das primeiras fileiras chegavam a acordos tácitos para prolongar a trégua pelo tempo que fosse possível.
Deserções em massa
Também houve rendições e deserções em massa.
O caso mais espetacular aconteceu no Exército italiano, após a dura derrota sofrida em novembro de 1917 em Caporetto para as tropas austro-húngaras e alemãs.
Cerca de 30.000 soldados italianos morreram nessa batalha, 300.000 foram presos e outros tantos foram declarados desertores.
Nos primeiros meses de conflito, o fulminante avanço alemão desbaratou as linhas de defesa francesas e provocou debandadas de milhares de soldados despreparados e mal equipados.
O general Joffre, horas antes de lançar a batalha de Marne para conter essa ofensiva, em 6 de setembro de 1914, fez uma advertência formal: "No momento em que se inicia uma batalha da qual depende o destino do país (...), nenhuma fraqueza será tolerada".
As cortes marciais francesas foram implacáveis durante esse período: cerca de 60% dos soldados franceses fuzilados durante a guerra morreram entre setembro de 1914 e outubro de 1915.
O cansaço da guerra
Durante a desastrosa Ofensiva Nivelle (Chemin des Dames, Caminho das Damas), liderada pelo general Nivelle em 1917, na metade das divisões mobilizadas foram registrados desacatos de unidades que se negaram em algum momento a seguir em frente.
Os amotinados, que chegavam a dezenas de milhares, questionavam tanto a sensatez das operações como as carências no abastecimento, os longos períodos sem folga e o cansaço provocado por uma guerra interminável.
A repressão a esses motins deixou uma marca profunda na memória coletiva da França e foi imortalizada por Stanley Kubrick no filme "Glória Feita de Sangue" (1957).
Foram condenados à morte 554 homens, mas com apenas 49 executados, um número bem inferior aos soldados fuzilados no início da guerra.
As rebeliões de tropas tiveram consequências muito mais graves nos países derrotados na guerra.
Os motins de marinheiros alemães em outubro de 1918 em Kiel, que contaram com o apoio de operários, aceleraram a derrubada do Império Alemão.
Igualmente, os levantes das tropas russas em 1917 desencadearam distúrbios que precipitaram o fim do regime czarista e, alguns meses mais tarde, a queda do governo provisório de Kerenski e a chegada ao poder dos bolcheviques de Lenin.
A debandada das unidades húngaras e eslavas do Exército Austro-Húngaro ao final da guerra causou a queda do império dos Habsburgo.