Os tiros que o sérvio Gavrilo Princip disparou contra o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono do Império Austro-Húngaro, continuam a ecoar na memória mundial. Há exatos 100 anos, o assassinato em Sarajevo foi o estopim de um conflito inédito na história, de proporções inimagináveis até então e que transformaria de maneira radical a ordem política da Europa e, consequentemente, de todo o mundo. A Primeira Guerra Mundial só seria declarada no mês seguinte, mas a morte do arquiduque foi sucedida por várias decisões equivocadas que despertou a desconfiança latente entre as potências da época.
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Alemanha, França e Grã-Bretanha representavam sozinhas mais de um terço da produção industrial do planeta, embora os Estados Unidos tinham se tornado a maior potência econômica mundial no final do século 19. O continente vivia a vanguarda econômica, tecnológica, artística e científica. A concorrência entre os impérios, alimentada pela vontade de garantir força política, segurança e de expandir os horizontes comerciais, fez as rivalidades aflorarem.
Em plena Revolução Industrial, as velhas nações entravam na modernidade. Com mais de 450 milhões de habitantes, a Europa reuniacerca de 30% da população mundial, chegando a mais da metade se incluídos os seus impérios em outras partes do mundo. A Alemanha despertava preocupação em Londres com suas ambições marítimas e coloniais declaradas, que também criavam grande tensão com a França, principalmente em relação ao Marrocos em 1905 e 1911. A Rússia e o Império Austro-Húngaro disputavam para ampliar suas esferas de influência nos Bálcãs, ocupando espaços de um Império Otomano em pleno declínio. E nessa região começava a ser decidido o destino da Europa.
hostilidades Cercada por Bulgária, Grécia e Montenegro, a Sérvia assistia essas nações se envolverem em disputas pelos últimos territórios dos otomanos na Europa durante os anos de 1912 e 1913. À exceção da Rússia, ligada à Sérvia em nome da proteção aos eslavos, as potências observava as hostilidades com prudência e evitavam o pior. Mas a paz é cada vez mais ameaçada. Dois blocos se formaram: a Tríplice Aliança reúne os impérios alemão e austro-húngaro e a Itália. A França e o Reino Unido, a oeste, aliam-se à Rússia, a Leste, formando a Tríplice Entente.
Espremida entre as duas maiores potências coloniais da época e sua imensa vizinha Rússia, a Alemanha temia um cerco. Além disso, a Alemanha considera que o Império Áustro-Húngaro saiu enfraquecido dos conflitos balcânicos e que a Rússia está mais forte. Em Berlim, o Estado-Maior, que vê uma guerra europeia como inevitável, reforça o seu Exército em 1913 com 300 mil homens. Essa iniciativa leva a França a estender o serviço militar para três anos com o objetivo de manter um relativo equilíbrio de forças. “Havia elementos de tensão, mas também capacidade de administrar crises”, afirma Nicolas Offenstadt, professor da Universidade de Paris-La Sorbonne.
No entanto, o sistema da alianças do bloco costurado ao longo dos anos se fortalecia, criando a lógica de assistência mútua em caso de agressão. A partir de então, era necessário apenas uma faísca. E os disparos contra o Francisco Ferdinando serviram para detonar as ações tão temidas. Os líderes europeus tentaram evitar um conflito até o fim, mas a guerra pegou os povos de surpresa em um mundo onde a informação atingia somente uma parcela ainda limitada das pessoas. No entanto, multiplicando os erros de análise, as nações movimentaram a engrenagem: a Áustria-Hungria, estimulada pela Alemanha, interveio contra a Sérvia pensando em restabelecer sua autoridade na região. A Rússia então se mobilizou, esperando ajudar sua protegida eslava ao intimidas os austro-húngaros. Porém, essa ação provocou a mobilização simultânea de seu aliado francês e de uma Alemanha obcecada pela ideia de um conflito inevitável entre grandes potências. Nada mais pode impedir a guerra que eclode em 3 de agosto. Em quatro anos, a guerra deixou 10 milhões de mortos e 20 milhões de combatentes feridos, assim como dezenas de milhares de vítimas civis mortos, feridos ou deslocados.
Palavra de especialista
Gerd Krumeich,
professor de história da Universidade de Dusseldorf
As origens
O conflito é originado, sem dúvida, nas rivalidades geradas pelo imperialismo das nações europeias. No início do século, todas consideram que um império é vital para seu desenvolvimento, em um mundo regido pela concorrência internacional. O equilíbrio europeu perturba a vontade da Alemanha, que se tornara a maior potência industrial da Europa, de se dotar de um império colonial na medida de seu dinamismo e comporta-se com bastante agressividade diante das outras potências: se lança em uma corrida armamentista naval que preocupa a Grã-Bretanha, disputa territórios africanos com a França e ajuda a Turquia otomana, grande rival da Rússia, a modernizar seu Exército. As desconfianças mútuas aceleram uma corrida armamentista em 1912 e 1913, acompanhada por uma escalada do nacionalismo na Alemanha e na França. Em Berlim, os militares acreditam que a guerra se aproxima e só pensam que poderão vencê-la se ela eclodir rapidamente, antes que a Rússia possa concluir a consolidação militar que havia iniciado. Isso explica o papel-chave da Alemanha no desencadeamento do conflito.