Jerusalém – Militantes retomaram ataques com mísseis contra Israel a partir da Faixa de Gaza ontem, rejeitando a ampliação do cessar-fogo do conflito, que já deixou mais de mil palestinos mortos, a maioria civis. Israel concordou em estender a pausa inicial de 12 horas nos combates por mais 24 horas, mas o grupo extremista islâmico Hamas, que domina a região, se negou a manter a trégua. Sirenes de alerta soaram em todo o país quando foguetes foram disparados, informou a polícia. Um tiro de tanque israelense matou um homem ao Sul da Faixa de Gaza, disse uma autoridade local, anunciando a primeira morte depois da ruptura do cessar-fogo. O gabinete de segurança israelense informou que a decisão de prolongar o curto período de paz na região atende a pedido das Nações Unidas.
Mesmo antes de a trégua acabar, alguns ministros israelenses sinalizaram que era remoto um acordo abrangente para acabar com o conflito de 19 dias com o Hamas e seus aliados. Os habitantes de Gaza já haviam aproveitado a trégua para recuperar seus mortos e estocar suprimentos de alimentos, inundando as ruas após o cessar-fogo ter começado às 3h (horário de Brasília), em meio a um cenário de destruição em massa em algumas áreas. “Tudo acabou, todas as nossas vidas estavam naquela casa, lar de 18 pessoas!”, gritou Zaneen, uma pequena mulher vestindo um robe negro e véu roxo, enquanto explorava os destroços da cidade de Beit Hanoun, no Norte da Faixa de Gaza. “Meu Deus, queremos paz.
O porta-voz do Ministério da Saúde de Gaza, Ashraf Al-Qidra, disse que equipes de resgate haviam recuperado 132 corpos em bairros destruídos. O homem morto pelo tanque elevou o número de mortes palestinas para 1.033 desde o dia 8, quando Israel lançou sua ofensiva.
Ontem, Palestinos venceram o calor, os destroços e o rastro de morte para voltar, a pé, aos destroços de suas casas em regiões como Shujaya e Beit Hanun, enquanto vigorava a trégua humanitária. A primeira cidade encontrava-se obliterada pelo bombardeio israelense. Toda a região fora transformada em destroços. Walid Habib retornou durante a manhã para descobrir o que restava da casa de sua família, com seis andares: pertences que cabiam em um saco de lixo, que ele carregava de volta até a Cidade de Gaza. “Não consegui dormir pensando no que eu encontraria em casa. Mas eu não pude acreditar no que vi. Não sei como vou poder voltar para cá. Mas estou vivo.”
NEGOCIAÇÃO
O gabinete de segurança de Israel esteve reunido ontem para discutir os esforços internacionais, que estão sendo liderados pelo secretário de Estado dos Estados Unidos, John Kerry, em Paris, para assegurar trégua mais duradoura. Mas, antes de os novos ataques ocorrerem, o ministro do gabinete de segurança, Gilad Erdan, havia dito que a possibilidade de acordo definitivo era pequena sem representantes de Israel, Egito ou da Autoridade Palestina presentes nas negociações em Paris. “Acho que estamos muito longe de uma solução diplomática. Faz muito mais sentido estarmos mais perto de expandir a operação militar”, disse ele mias cedo a um canal da televisão israelense.
Pouco antes do início da trégua, 18 membros de uma única família, incluindo cinco crianças, morreram em ataque perto da cidade de Khan Younis, no Sul do país, afirmaram médicos.
Inocentes na linha de fogo
“Nós estaremos vivos para a festa do Eid Al-Fitr? Eu quero usar minhas roupas novas.”
“Se nós morrermos, iremos para o paraíso?”
As perguntas atormentam Lamar Baker. A palestina vai completar 7 anos em 20 de outubro e já testemunhou três guerras na Faixa de Gaza, onde mora em uma casa de sete quartos com os pais e com as irmãs Farah, de 16 anos, Rana (23) e Doreya (14).
Hamza Mahmud, de 10, se apavora sempre que um míssil cai perto de sua casa, no campo de refugiados de Al-Bureij, no centro da Faixa de Gaza. “Ele e as outras crianças vão odiar os sionistas e os israelenses por todo o sempre. Israel destruiu o futuro delas”, admite o jornalista Diaa Mahmud, de 22, irmão de Hamza. Por meio da internet, Diaa comenta que o caçula teme ser morto ou perder alguém da família.
Do outro lado do conflito, a dona de casa israelense Nathalia Ohayon, de 38, sofre com a angústia das quatro filhas em Ashdod, a 38 quilômetros da fronteira com a Faixa de Gaza. As gêmeas Ilya e Noa, de 7, Eden (4) e Nessia (6 meses) estão há 20 dias presas em casa. “Os foguetes caem a cada 30 minutos. As crianças ficam assustadas por causa das sirenes antiaéreas e das explosões”, conta. Na terça-feira, um dos projéteis atingiu o solo a 5 minutos da residência da família. “Toda vez que soa o alarme, entramos em pânico. Temos que entrar em um quarto seguro em até 35 segundos. É um aposento com paredes grossas, de concreto reforçado”, afirma Nathalia. Segundo ela, Nessia está com diarreia e tem pesadelos recorrentes. “Ela repete a pergunta: ‘Por que eles querem nos matar?’ e fica com medo quando está sozinha. Também desperta com frequência.”
CICATRIZES
Empresária em Jerusalém, Miriam Schwab, de 37, carrega os traumas da Primeira Guerra do Golfo. Ela tinha 14 anos quando se deparou, pela primeira vez, com um conflito em larga escala. “Se uma motocicleta passasse e o barulho fosse parecido ao de uma sirene, meu coração pulava pela garganta e levava uma hora para eu me acalmar”, relata. Os sete filhos perceberam que Jerusalém não está imune aos foguetes. “A primeira sirene tocou enquanto eles ainda dormiam. Eu e minha filha mais velha, de 15 anos, agarramos cada uma das crianças e as empurramos para o quarto seguro. Minha filha de 10 anos ficou tão assustada que não pôde dormir”, acrescenta.
“Uma criança palestina tem sido morta a cada hora em Gaza”, lamenta Karl Schembri, porta-voz da Save the Children. A ONG classifica a Operação Margem Protetora, lançada por Israel em 8 de julho, de “guerra contra a criança”. “É um número sem precedentes de baixas infantis, de menores feridos e de deslocados. Ninguém pode ser protegido em Gaza, ninguém está a salvo”, comenta. Nos últimos 20 dias, o número de nascimentos de prematuros duplicou.
O psicólogo israelense Yotam Dagan, diretor da ONG Natal — Centro para Vítimas de Traumas Relacionados à Guerra —, explica que pesquisas independentes feitas com crianças israelenses e palestinas mostram níveis similares de sintomas pós-traumáticos. “Elas se tornam angustiadas, não dormem nem se concentram na escola; algumas vezes regridem a comportamentos mais infantis, se agarrando aos pais, chorando e molhando a cama. Também se tornam ansiosas e deprimidas.”