Brasília – O cristão Lekar Hana, 36 anos, e sete familiares dormiram ao relento na madrugada de hoje (hora local), em uma rua de Erbil, capital do Curdistão iraquiano, após serem expulsos pelos jihadistas. A 40km dali, os Estados Unidos prosseguiam com a campanha de bombardeios contra o grupo terrorista Estado Islâmico (EI), que havia capturado Qaraqosh, a maior cidade cristã do Iraque e terra natal de Lekar. O primeiro ataque aéreo desde a retirada das tropas, três anos atrás, ocorreu às 14h45 (8h45 em Brasília) de ontem. Dois caças F/A-18 lançaram bombas de 200kg guiadas a laser sobre uma unidade de artilharia usada para alvejar os peshmergas, como são chamados os combatentes curdos.
Pouco mais de duas horas depois, um drone (avião não tripulado) “eliminou terroristas” que manejavam um morteiro. Às 12h20 (hora de Brasília), quatro caças dispararam bombas que neutralizaram um comboio próximo a Erbil, segundo o porta-voz do Pentágono, contra-almirante John Kirby. Lekar e milhares de refugiados não perceberam a ofensiva ordenada na véspera pelo presidente norte-americano, Barack Obama. A Casa Branca afirmou que os ataques vão durar enquanto a situação da segurança exigir.
“Envio esta mensagem aos Estados Unidos, o portador da Cruz.
A Casa Branca não estipulou um limite de tempo para os bombardeios, e Obama avisou que jamais permitiria ser arrastado a uma guerra. “O presidente não fixou uma data específica”, disse o porta-voz, Josh Earnest. No entanto, ele antecipou que “um conflito prolongado não está em discussão”. O Departamento de Estado dos EUA garantiu que Washington tem base legal para a ofensiva, além de contar com o apoio do primeiro-ministro iraquiano, Nuri al-Maliki. Na Câmara dos Deputados, a líder dos democratas, Nancy Pelosi, indicou seu aval à operação, a fim de “evitar um massacre do povo yazidi e de outras minorias religiosas no Iraque”. Na quarta-feira, dezenas de milhares de yazidis partiram em debandada da cidade de Sinjar e se refugiaram nas montanhas, onde estão cercados pelos militantes.
Os bombardeios parecem não assustar os jihadistas. “São apenas ataques aéreos. Nós não seremos parados apenas com ataques aéreos”, afirmou, por meio da internet, um militante da EI chamado de Abdallah. “Nós atingiremos os Estados Unidos a longo prazo”, prometeu. Em visita a Cabul, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, justificou a ação bélica, ao sustentar que os mujahedine (“guerrilheiros islâmicos”) sinalizavam com um genocídio.
ULTIMATO
Lekar Han contou, por telefone, que não teve escolha. “Os islamitas disseram a toda minha família: ‘Se vocês não aceitarem o islã, fujam, ou mataremos todos vocês’”, relatou. Por mais de uma vezele pediu ajuda à reportagem. “As igrejas de Qaraqosh foram incendiadas. Todos os cristãos estão em Erbil. Não temos carro, não temos dinheiro, não temos nada. Nenhum de nós está bem.” Nas redes sociais, circulavam fotos de cristãos massacrados. Um deles é agarrado pelos cabelos e grita, ao ser degolado. Outro aparece decapitado, com a cabeça sobre as costas.
Professor de ciência política da Universidade de Hildesheim (Alemanha), o turco Gazi Çaglar alertou que o Estado Islâmico está fora de controle e culpou o apoio de “forças imperialistas e regionais, como a Turquia e o Catar”. “O alvo primário era a produção de Estados falidos na Síria e no Iraque. Mas o plano se perdeu no caos: o EI tem sua própria agenda, a construção de um califado islâmico. Agora, os Estados Unidos e a Europa cobram uma mudança estratégia na região.”.