Lucas Fadul
Brasília – O governo de Kiev e os separatistas do Leste da Ucrânia firmaram ontem acordo para um cessar-fogo, em mais uma tentativa de reverter a escalada da violência na ex-república soviética. A suspensão das hostilidades, em vigor desde as 15h locais, foi estabelecida após uma conversa por telefone entre o presidente ucraniano, Petro Poroshenko, e o colega russo, Vladimir Putin. “Essa é a razão pela qual acredito que é nossa responsabilidade comum fazer esse cessar-fogo durar por muito tempo”, indicou Poroshenko. A conclusão da trégua coincidiu com o encerramento da cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em Newport, no País de Gales. Para fazer frente ao que chamou de “agressão russa à Ucrânia”, a aliança militar ocidental anunciou a criação de uma força permanente de pronta-resposta no Leste Europeu.
O secretário-geral da Otan, Anders Fogh Rasmussen, manifestou cautela e reservas em relação ao plano de Moscou para solucionar a crise ucraniana, mas disse esperar que a trégua marque o começo de um processo político rumo ao fim do conflito. “Uma coisa é declarar um cessar-fogo, mas a próxima etapa crucial é a aplicação, de boa-fé, e isso ainda precisa ser visto”, ponderou, durante entrevista coletiva no encerramento da cúpula de Newport. De acordo com Rasmussen, os milhares de soldados da nova força poderão ser posicionados em qualquer lugar mundo no intervalo de poucos dias. “Nesses tempos turbulentos, a Otan deve estar pronta a assumir todas as missões e a proteger os aliados contra ameaças”, explicou o secretário-geral. Dos 4 mil militares que devem integrar a unidade, o Reino Unido se comprometeu a ceder mil.
O presidente Barack Obama fez coro com as desconfianças Rasmussen em relação à proposta do Kremlin para pôr fim ao conflito separatista, mas também manifestou esperança de que a trégua possa arrefecer as tensões. O líder americano voltou a ameaçar Moscou com mais sanções econômicas, embora tenha acenado com a rápida suspensão das represálias, caso o cessar-fogo perdure.
Um correspondente da agência de notícias Reuters no leste da Ucrânia informou ter ouvido três explosões ao norte de Donestk – principal reduto separatista –, minutos depois de a trégua entrar em vigor. Nas primeiras horas do dia, os combates prosseguiam também nos acessos a Mariupol, estratégico porto sob assédio rebelde. “Nós também enviamos uma mensagem forte para a Rússia, de que as ações têm consequências. Hoje, os EUA e a Europa estão finalizando medidas para aprofundar e ampliar as sanções contra setores de energia, defesa e finanças da Rússia”, completou Obama. Putin é acusado pelos líderes ocidentais de apoiar a contra-ofensiva dos separatistas com armamento e tropas.
VITÓRIA
Em entrevista por telefone, o cientista político Heni Ozi Cukier, professor de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), disse que, até o momento, a derrota no conflito parece ficar com o governo de Kiev. “O status quo é a vitória da Rússia”, afirmou. “Há pouco tempo, os insurgentes e as forças ucranianas anunciaram um cessar-fogo de 15 dias, que não durou nada”, lembrou. “A única saída militar para a Ucrânia seria derrotar os separatistas. Kiev precisa de vitórias militares e políticas, mas não acho que isso acontecerá.”
Para Heni, mesmo que a Rússia tentasse estabelecer-se no Leste da Ucrânia pela força, não haveria intervenção externa em defesa de Kiev. “Putin pode conseguir o quer realizando a manutenção do envio de tropas. Acredito que o Ocidente não fará nada mesmo que ele invada as regiões de conflito”, analisa. “O presidente russo teria de fazer algo bem mais grave, como invadir a Ucrânia inteira ou alguma das ex-repúblicas soviéticas do Báltico (Letônia, Lituânia e Estônia, as três integrantes da Otan), para desencadear alguma resposta ocidental efetiva”. Ainda segundo o especialista, caso não consiga arrastar a Otan para o conflito, o governo de Kiev terá de fazer concessões e conformar-se com a perda de território.