Jornal Estado de Minas

Em Ferguson, os afrodescendentes vivem rotina de discriminação

Comunidade não parou de se manifestar desde que o adolescente desarmado de 18 anos foi abatido a tiros ppr policial

AFP

Levantar as mãos e dizer o tempo todo "sim, senhor" ou "não, senhor".

Sean Jackson sempre se esforçou para ensinar seu filho de 25 anos a como se comportar com a polícia para não provocá-la a disparar e matar. Assim é a vida de um homem negro em Ferguson.

"Qualquer negro que dirija um carro em Ferguson é um homem nervoso porque tem medo dos controles policiais", afirma Jackson, de 45 anos, que descreveu esta pequena cidade do Missouri, no centro dos Estados Unidos, como uma das que sofre mais preconceito racial no país.


"Podemos ser mortos ou presos, ou receber uma multa. Esperamos receber uma punição. Viver nervoso o tempo todo não é uma coisa legal", afirmou, em frente a uma loja incendiada após a noite de violência vivida por este subúrbio de Saint Louis desde que Michael Brown foi abatido, em 9 de agosto.


A comunidade negra de Ferguson - 67% da população - não parou de se manifestar desde que o adolescente desarmado de 18 anos foi abatido a tiros pelo policial branco Darren Wilson. A decisão de um grande júri anunciada na segunda-feira de não abrir um processo contra Wilson acendeu a chama e naquela mesma noite explodiram os distúrbios, saques e incêndios em Ferguson.

O Escritório de Estatísticas judiciais identificou nos Estados Unidos 2.931 assassinatos "vinculados a prisões" entre 2003 e 2009, em quase todos os casos com vítimas do sexo masculino, a metade deles entre 25 e 44 anos. Os negros representam 32% destas vítimas, enquanto são apenas 13% da população.

Segundo o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, os negros e os hispânicos têm três vezes mais chances de ser apreendidos que os brancos em controles de estradas, e sofrem quatro vezes mais o uso da força durante suas interações com a polícia. Um negro em cada três passa pela prisão, aponta a organização de reflexão Centro para o Progresso Americano.

 

"Como homem negro, sei que isso poderia ter acontecido comigo", afirma Darrell Alexander, de 56 anos, um enfermeiro aposentado, em referência à morte de Brown.

"A justiça não foi feita e os jovens estão enojados. Tudo isso é racismo em estado puro", prosseguiu.

 

Alexander diz aprovar a ação da Copwatch, uma organização que registra e examina as denúncias contra agentes da polícia com o objetivo de promover a segurança pública e fazer as autoridades se responsabilizarem. Em Ferguson, os policiais são, em sua grande maioria, brancos, enquanto a população é de dois terços de negros. Há dois anos, Alexander diz que foi detido pela polícia à meia-noite, enquanto dirigia pelo bairro residencial no qual vive.


Com seu cabelo com "dreadlocks", "como não tinha o estilo do bairro, me pararam para me dar uma multa...", suspira. "Esse é o tipo de coisa que a privilegiada América branca não consegue entender. Não acontece com eles", explicou.

MZ Tay, que veste uma camiseta com as palavras "não há justiça, não há paz" e que também trabalha como enfermeiro, afirma com lágrimas nos olhos que Ferguson está à beira da explosão. "Isso vai piorar antes de melhorar. Estou esperando para ver outros lugares em chamas", advertiu.


"Esse é apenas o início, porque todos ainda estão em estado de choque. Todos estão tão enojados porque ainda estamos sofrendo incidentes que lembram a escravidão", argumenta. MZ Tay diz ter uma câmera em seu carro para utilizá-la toda vez que for detido pela polícia dirigindo seu carro de luxo. "Por que todas as vezes em que nos veem em um carro bom, acham que a pessoa se dedica à venda de drogas?", questiona.

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