O ex-presidente Tabaré Vázquez (2005-2010) foi eleito nesse domingo para suceder José Mujica em um terceiro e decisivo governo da esquerda uruguaia. O médico oncologista de 74 anos recebeu 1.226.105 votos, contra 939.074 para Luis Lacalle Pou, de 2,32 milhões de votos emitidos. Vázquez obteve assim 56,6% dos votos válidos. Segundo os resultados, Vázquez, que em 2005 foi o primeiro presidente de esquerda do Uruguai, é o candidato mais votado dos últimos 70 anos.
"Hoje é uma noite mágida (...) é uma noite de comemoração, de festejo da alma, de encontrarmos todos os uruguaios", celebrou Vázquez em Montevidéu. Lacalle Pou, candidato de centro-direita de 41 anos, não demorou a reconhecer a vitória de Tabaré Vázquez. "Há poucos minutos liguei para o dr. Tabaré Vázquez para felicitá-lo por ter triunfado legitimamente nestas eleições", declarou Lacalle Pou.
Centenas de pessoas reunidas no comitê de campanha de Tabaré Vázquez, no centro de Montevidéu, explodiram em alegria ao ouvir as primeiras projeções. Em seu primeiro pronunciamento logo após a divulgação dos resultados provisórios, Vázquez pediu um grande acordo nacional para atender a áreas-chave como segurança, educação, saúde e infraestrutura.
"Em termos de desenvolvimento econômico e social legítimo e duradouro é fruto de (...) trabalhos compartilhados. Isto implica diálogos e acordos entre todos os setores e em todos os âmbitos da sociedade sobre temas vertebrais da agenda do país", declarou. Quase 2,6 milhões de uruguaios estavam registrados para votar em 7.000 seções eleitorais, em um dia de fortes chuvas no país, que não afastou os eleitores das urnas.
Neste contexto, a campanha eleitoral do segundo turno foi quase apática. Vázquez não concedeu entrevistas aos meios de comunicação e percorreu o interior do país em uma viagem de "agradecimento", enquanto Lacalle Pou convocou um "desafio à matemática". Apesar do clima de "já ganhou" entre alguns simpatizantes da Frente Ampla, Vázquez insistiu que não se devia comemorar antes da hora. Vázquez foi um dos primeiros a votar no domingo, no bairro de La Teja, zona oeste de Montevidéu.
Cercado por simpatizantes e jornalistas, o candidato afirmou que "nenhum governo é igual ao anterior" e antecipo que, se eleito, convocará um "grande encontro nacional para os temas que importam aos uruguaios como o econômico, sociais, políticos, para entre todos desenhar o Uruguai do futuro".
O presidente José Mujica também votou cedo, no bairro de Cerro (oeste de Montevidéu). Mas desta vez ele deixou em casa o antigo Fusca azul - quase tão famoso como o presidente, a ponto de ter recebido uma oferta de um xeque árabe de um milhão de dólares - e chegou ao local de votação de carro oficial.
Herança Mujica
Vázquez, que assume o governo 1º de março de 2015, receberá um país com uma economia forte, que fechará em 2014 seu 12o. ano de crescimento consecutivo, mas com o desafio de resistir às turbulências que seus vizinhos, gigantes como Brasil e Argentina, enfrentam.
"Em um contexto mundial de transição para um mundo menos amigável para as economias emergentes, com um dólar mais forte, com taxas de juros mais altas e com 'commodities' depreciadas, o Uruguai tem pela frente três ajustes pendentes: o do setor fiscal, onde temos um déficit insustentavelmente alto, o dos preços relativos e o do mercado de trabalho", analisou o economista Javier De Haedo.
O novo presidente herda alguns temas complicados que Mujica deixará para o governo, como a implementação da venda de maconha nas farmácias uruguaias. Médico de profissão, o presidente eleito manifestou certas reticências quanto a esta polêmica lei, mas assinalou que vai mantê-la. Advertiu, no entanto, que será feita uma avaliação rígida sobre o impacto que possa vir a ter sobre a sociedade. Vázquez terá, além disso, o desafio de suceder o popular 'Pepe' Mujica, que conquistou o mundo com sua simpatia, austeridade, seus discursos a favor da paz e contra o consumismo.
No entanto, ele deixou o poder em 2010 com uma histórica popularidade de quase 70%, depois de aprovar reformas tributárias e de saúde, implementar um plano de emergência social e o Plano Ceibal, que dotou todos os escolares com um computador. Combatente incansável da lei antitabaco e primeiro esquerdista a governar o Uruguai, Vázquez ocupará pela segunda o vez o cargo de presidente. Com um estilo sóbrio e voz de comando dentro da FA, nasceu em uma família operária e trabalho como carpinteiro e auxiliar administrativo até que conseguiu pagar seus estudos de Medicina.
"Venho de um lar muito humilde e estudei em escola pública. Sou produto disso e me sinto profundamente grato e comprometido com a sociedade uruguaia", assegurou em uma entrevista recente. Graduado em 1969, dedicou sua carreira à oncologia, depois que, entre 1962 e 1968, sua irmã, sua mãe e seu pai morreram devido a um câncer.
Tabaré e a esposa María Auxiliadora se conheceram na adolescência em uma quermesse e se casaram quando ele tinha 23 anos e cursava o segundo ano de Medicina. Juntos, formaram uma família de quatro filhos, um deles adotado, e onze netos. Curiosamente, um dos máximos dirigentes da esquerda uruguaia fez sua carreira universitária longe da militância estudantil na turbulenta década de 1960, na qual Mujica tomou das armas no Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros, algo que atribuiu a suas obrigações familiares.
Depois de mais de uma década como dirigente do modesto clube de futebol Progresso, em 1983, Vázquez se uniu de forma clandestina ao Partido Socialista, iniciando uma carreira política meteórica. Logo foi eleito prefeito de Montevidéu em 1989. Como candidato à presidência, depois de tentativas frustradas em 1994 e 1999, Vázquez conseguiu a vitória em 2004.
Além das reformas promovidas, reiniciou as investigações contra os repressores da ditadura.
Mas nem tudo foram flores para o socialista ao longo de seu mandato e vetar uma lei que legalizava o aborto se transformou em um dos momentos mais difíceis para seu governo, já que a decisão criou uma forte polêmica dentro da FA. No entanto, a polêmica maior chegou em 2011, já estava fora do governo, quando confessou que aventou a possibilidade de um conflito bélico com a vizinha Argentina pela instalação de uma fábrica de celulose em um rio limítrofe, para o que pediu apoio dos Estados Unidos. Ante às críticas da Argentina e de dentro de seu próprio partido, Vázquez pediu desculpas ao país vizinho e se retirou da política por algum tempo, mas voltou ante o clamor da FA e da população.