O ataque sangrento contra a revista francesa Charlie Hebdo confirmou o temor de que os jihadistas poderiam atingir o coração da Europa e, em particular, um país em guerra contra os grupos extremistas do Oriente Médio e do Sahel. Os assassinatos de chargistas cujos desenhos indignaram muitos muçulmanos servirão de propaganda aos movimentos jihadistas, e facilitarão o recrutamento de novos combatentes, advertem vários especialistas interrogados pela AFP.
"Este ataque foi cometido para provocar uma onda de choque no cenário internacional", afirma Lina Khatib, diretora do centro Carnegie para o Oriente Médio. "Sua execução espetacular quer demonstrar a influência dos movimentos jihadistas na Europa", acrescenta. O atentado, que não foi reivindicado e que deixou 12 mortos, confirma o medo de atentados no Ocidente em meio à ascensão do grupo Estado Islâmico (EI) no Iraque e na Síria e ao lançamento de uma coalizão internacional com forte participação ocidental para combatê-lo.
Tendo esta guerra como pano de fundo, os serviços de inteligência ocidentais alertaram contra o risco dos jihadistas que voltam aos seus países de origem na Europa. A França está particularmente exposta, já que participa dos ataques aéreos no Iraque contra o EI e mobilizou um dispositivo militar de grande porte em cinco países do Sahel contra diversos grupos islamitas. Nos últimos meses, tanto o EI quanto a Al-Qaeda na Península Arábica (AQPA) convocaram em várias ocasiões seus partidários a atacar a França.
A revista da AQPA, "Inspire', encorajou seus simpatizantes a atecar na França, e inscreveu na lista de pessoas a serem eliminadas o redator chefe da Charlie Hebdo, Stéphane Charbonnier, conhecido como Charb, abatido no atentado de quarta-feira. Outros cartunistas emblemáticos da revista também morreram: Cabu, Wolinski e Tignous.
Desde a publicação, em 2006, de caricaturas do profeta Maomé, a revista satírica havia recebido muitas ameaças e inclusive foi atacada com coquetéis molotov em 2011.
EI beneficiado
"O objetivo também é fazer uma mensagem chegar aos Estados, em particular aos integrantes da coalizão internacional, para que vejam que são vulneráveis", explica Lina Khatib. E, por isso, "os criminosos escolheram uma zona central em Paris, que é muito simbólica". Nas redes sociais, simpatizantes da Al-Qaeda e, sobretudo, do Estado Islâmico comemoraram o ataque, e utilizavam hashtags em árabe como "Paris arde" ou "a invasão de Paris".
Estes simpatizantes também publicaram fotos de Charbonnier com uma edição da Charlie Hebdo que mostra uma caricatura rindo dos muçulmanos radicalizados. "Por isso o mataram", comenta um deles no Twitter.
Seja um ataque motivado exclusivamente pela questão das caricaturas ou um atentado destinado a punir os países em guerra contra os jihadistas, o ocorrido será um catalizador para atrair novos simpatizantes à causa jihadista, segundo Max Abrahms, um especialista americano em terrorismo.
"Este ataque será considerado um sucesso. E quanto mais os grupos terroristas dão a impressão de sair ganhando, mais fácil é recrutar pessoas", explica. O EI, conhecido por seus massacres, sequestros e agressões no Iraque e na Síria, sairá beneficiado, embora não seja diretamente responsável pelo ataque, destaca este professor de ciência política.
Porque "o que na verdade permitiu ao EI contar com uma base tão ampla são seus êxitos em termos de conquista de territórios e de massacre de um grande número de pessoas".
Um contexto semelhante pode inspirar mais de um. "O EI e outros grupos considerarão o ataque como um êxito que deve ser repetido", adverte Abrahms.