Os dois homens procurados na França pelo ataque ao semanário satírico "Charlie Hebdo" estavam há tempos sendo observados pela Inteligência francesa, mas isso não impediu que passassem à ação.
Segundo especialistas consultados pela AFP, é quase impossível manter uma vigilância policial permanente. A busca dos irmãos Cherif e Said Kouachi, suspeitos de terem cometido o atentado, intensificou-se nesta quinta-feira.
"Mas não é porque alguém está fichado, localizado, que tem uma vigilância permanente", disse à AFP Eric Dénécé, diretor do Centre Français de Recherche sur le Reinseignement (CF2R, Centro Francês de Pesquisa sobre Inteligência).
"Chega um momento em que a vigilância é suspensa, sobretudo se o vigiado é esperto o suficiente para se manter correto o tempo todo. São os inevitáveis buracos das redes", acrescentou. Nesta quinta-feira de manhã, o primeiro-ministro francês, Manuel Valls, disse que "os indivíduos estavam sendo, sem dúvida, vigiados, mas não há um risco zero" frente à possibilidade de atentado.
O ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, confirmou que "os indivíduos estiveram sob vigilância", mas que não eram alvo de um procedimento judicial, porque "não havia elementos sobre eles que sugerissem a iminência de um atentado".
Uma fonte policial disse à AFP nesta quinta que os dois irmãos não estavam efetivamente sob vigilância, embora Cherif tenha sido fichado pela Inteligência francesa como uma possível ameaça à segurança e aos interesses fundamentais da nação - o que, acrescentou a fonte, "é lógico, dado seu passado".
Ainda segundo a fonte policial, Cherif não fez qualquer "viagem recente" ao exterior.
Falta de recursos
Desde os anos 1980, a França está exposta à ameaça terrorista tradicional. Há alguns meses, porém, a ameaça aumentou com o retorno, ao território francês, de centenas de aspirantes a combatentes que passaram pelo Iraque, ou pela Síria. Isso multiplica a quantidade de potenciais suspeitos e pode complicar o trabalho dos investigadores, com inúmeras pistas falsas.
"Não temos, é claro, os meios para colocar todo mundo sob vigilância permanente", admitiu recentemente, em conversa com a AFP, um dos responsáveis franceses da luta contra o terrorismo, que pediu para não ser identificado.
"Então, o que fazemos, é que organizamos listas. Os que parecem ser os mais perigosos, os que podem passar à ação, têm vigilância permanente; os outros, menos, em função dos meios. A lista evolui sem parar. Alguns saem, outros entram. A arte consiste em ter os nomes certos no lugar certo, e não é fácil", completou.
"A vigilância 24 horas de um suspeito - que, além disso, usa, com frequência, de três a quatro celulares diferentes - representa 30 policiais. Como querem que a gente faça? A única solução são as listas com prioridades", justificou.
Os projetos de atentados desmantelados recentemente, as filiais desmontadas e as redes neutralizadas provam que a França está diante de uma ameaça que pode assumir qualquer forma, constituída ao mesmo tempo por aprendizes de terroristas treinados e determinados, combatentes jihadistas aguerridos e todas as variantes possíveis entre esses perfis.
"No nosso país, o dispositivo jurídico para lutar contra essa ameaça existe e é eficaz", defendeu Eric Dénécé.
"Para vigiar tudo, seria preciso analisar o aumento em massa do efetivo policial, o que colocaria um problema democrático (...) e, de qualquer modo, não seria eficaz. Os investigadores não dariam conta. Estamos diante de uma ameaça assimétrica no sentido próprio do termo", explicou.