Milhares de pessoas tomaram as ruas de várias cidades do mundo neste domingo, para prestar solidariedade à França, repetindo palavras de ordem como "Eu sou Charlie" e exibindo canetas, em homenagem aos mortos nos ataques, que tiveram como alvo, sobretudo, cartunistas do jornal satírico Charlie Hebdo.
Em Berlim, Londres, Jerusalém, Beirute, Cisjordânia, ou Buenos Aires, multidões agitaram bandeiras da França e cantaram "A Marselhesa", o hino nacional francês, para homenagear as 17 vítimas fatais dos ataques jihadistas desta semana, em Paris. Cristãos, muçulmanos e judeus participaram das passeatas, que teriam reunido cerca de 3,7 milhões de pessoas somente na França - segundo número provisório fornecido pelas autoridades. Em Israel, onde os quatro judeus franceses mortos em um supermercado de produtos judaicos em Paris serão enterrados, mais de 500 pessoas se reuniram em Jerusalém diante de um telão que dizia, em francês, "Jerusalém é Charlie". "Este é um ataque a todos nós, ao povo judeu, à liberdade de imprensa e de expressão", disse o prefeito de Jerusalém, Nir Barkat. O rabino-chefe, Shlomo Amar, fez uma oração pelas 17 vítimas dos ataques.
Em Montreal, as manifestações reuniram cerca de 25 mil pessoas. O prefeito da cidade francófona, Denis Coderre, e autoridades de Québec, uniram-se ao cônsul-geral, Bruno Clerc, que liderou uma longa procissão de manifestantes, acenando as bandeiras canadense, francesa e quebequense, assim como cartazes com a já célebre inscrição "Je Suis Charlie" (Eu Sou Charlie).
Em Buenos Aires, centenas de pessoas se concentram ao meio-dia local (15h, na França) em frente à embaixada da França, na hora do início do protesto em Paris, para repudiar os atentados jihadistas e em solidariedade às vítimas.
"Tous Unis" (Todos Unidos), "Je suis Charlie" e "Je suis Charlie, je suis flic, je suis juif" (Eu sou Charlie, eu sou policial, eu sou judeu) diziam os cartazes exibidos pelos manifestantes argentinos.
Europa chora 'amigos caídos'
Na Europa, uma das maiores passeatas foi celebrada em Berlim, onde 18 mil pessoas marcharam usando camisetas com os dizeres "Checkpoint Charlie Hebdo", em alusão ao posto de controle Charlie, uma reminiscência da Guerra Fria que dividia a Alemanha. A marcha foi realizada dias depois de o grupo anti-islâmico Pegida (sigla em alemão de "Europeus Patriotas contra a Islamização do Ocidente") levar 35 mil pessoas às ruas de Dresden. Em Bruxelas, o chargista belga Philippe Gelluck se juntou a outras 20 mil pessoas, dizendo que marchava "em homenagem aos amigos caídos", referindo-se aos cinco cartunistas do jornal satírico francês "Charlie Hebdo", mortos no atentado. "Eu sei que a comunidade muçulmana se sente ferida e humilhada por essas charges, mas elas não atacam o Islã, e sim o fundamentalismo", alegou.
Na quarta-feira, os irmãos jihadistas Chérif e Said Koauchi mataram 12 pessoas em um ataque ao periódico, que publicou charges do profeta Maomé, enfurecendo muitos muçulmanos. Um terceiro homem armado matou uma policial na quinta-feira, e outras quatro pessoas em um mercado de produtos judaicos, em Paris, na sexta. Em Londres, na famosa Trafalgar Square, duas mil pessoas se reuniram, erguendo lápis para o alto. Uma pessoa exibiu um enorme coração de papel, com a mensagem "eu sou um muçulmano britânico". Uma multidão também marchou na cidade de Oxford.
A capital britânica viveu seu próprio pesadelo terrorista dez anos atrás, quando terroristas suicidas detonaram os explosivos que levavam consigo em três composições do metrô e em um ônibus, matando 52 pessoas em 7 de julho de 2005. "Eu espero que agora, nessas circunstâncias terríveis, todos aprendam a conviver em sociedades como a da Inglaterra", disse à AFP Romain Abjean, um professor francês que vive há dez anos na Grã-Bretanha.
Na Praça do Sol, em Madri, centenas de pessoas foram às ruas, exibindo bandeiras nas cores da França (vermelha, branca e azul), e cantaram o hino nacional francês. Centenas de muçulmanos também se reuniram na estação Atocha, em Madri, onde ocorreu o pior ataque terrorista da Espanha, em 11 de março de 2004, quando atacantes inspirados pela rede Al-Qaeda mataram 191 pessoas.
Mulheres usando véus, acompanhadas de crianças pequenas, juntaram-se a grupos de homens jovens durante a marcha, exibindo cartazes com inscrições como "Sou muçulmano e não sou terrorista". "Não queremos que matanças sejam realizadas em nome do Islã", pediu Driss Bouzdoudou, de 30 anos, que vive há 14 anos na Espanha.
Da Europa ao Japão
Em outros países da Europa, 12 mil pessoas foram às ruas em Viena; duas mil, em Dublin; e cerca de três mil enfrentaram a neve em Estocolmo. A grã-duquesa de Luxemburgo, Maria Teresa, fez uma rara aparição pública, ao se juntar às mais de duas mil pessoas que declararam seu apoio à França e seu repúdio ao terror. Na Itália, outras mil pessoas se reuniram em Roma, e o mesmo número se concentrou em Milão. Em Lisboa, as manifestações reuniram 200 pessoas.
Enquanto isso, centenas de pessoas marchavam pelo centro de Istambul, levando nas mãos canetas e flores, em uma passeata que terminou nos arredores do consulado francês. Uma passeata similar foi celebrada em Ancara. Mais cedo, em Istambul, a polícia prendeu dois pedestres, que gritaram "por que vocês estão se manifestando por esta revista que insultou o profeta?".
Em Beirute, centenas de expatriados libaneses e franceses exibiam canetas e cartazes com a inscrição "Je suis Charlie". Simbolicamente, os manifestantes se reuniram na Praça Samir Kassir, assim denominada em homenagem a um jornalista franco-libanês assassinado em 2005.
Um manifestante levava um cartaz declarando solidariedade não apenas à França, mas a milhões de pessoas que sofrem na Síria, país castigado por uma guerra civil que se estende desde 2011. "Je suis Charlie, je suis syrien" (Eu sou Charlie, eu sou sírio), dizia seu cartaz.
Em Sydney, na Austrália, horas antes da manifestação em Paris, centenas de pessoas já exibiam cartazes com a inscrição "Eu sou Charlie", a alguns metros de um café, alvo de um ataque letal no mês passado.
Em Tóquio, mais de 150 cidadãos franceses e japoneses se reuniram em um instituto de cultura e língua francesa, onde fizeram uma oração silenciosa de um minuto.