A presidente da Argentina, Cristina Kirchner, e seu chanceler, Héctor Timerman, foram denunciados nesta quarta-feira pelo procurador que cuida do caso do atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), em Buenos Aires, em 1994, por um suposto plano para acobertar o Irã de suas responsabilidades.
A dura denúncia de 300 páginas do procurador Alberto Nisman é o último episódio de uma série de confrontos entre funcionários de alto perfil do governo com a Justiça argentina.
Nisman pediu a declaração indagatória e um embargo preventivo de bens, no valor de 200 milhões de pesos (cerca de US$ 23 milhões) de Kirchner, de Timerman, do deputado governista Andrés Larroque e do pessoal da Secretaria de Inteligência da Presidência da Nação.
No documento, o procurador do caso Amia denunciou a presidente e outros funcionários de alto escalão do governo por considerar que, em 2011, começou-se a "negociar um plano de impunidade e para acobertar os foragidos iranianos acusados da explosão da mutual judaica".
De acordo com a denúncia de Nisman enviada à corte federal do magistrado Ariel Lijo, o governo da presidente Kirchner bolou um "sofisticado plano criminoso" destinado a favorecer o Irã e a desvincular definitivamente os suspeitos que são procurados pela Justiça argentina.
O procurador classificou de "manobra" a estratégia do governo, que levou à assinatura de um Memorando de Entendimento com Teerã, em 2013, com a participação do chanceler Héctor Timerman, do deputado nacional Andrés Larroque e do líder comunal Luis D'Elía.
Depois da repercussão da denúncia, o procurador Nisman foi citado para comparecer, na próxima segunda-feira, à Comissão de Legislação Penal da Câmara de Deputados para que responda sobre sua investigação no Congresso.
Em 18 de julho passado, completou-se 20 anos do ataque que deixou 85 mortos e 300 feridos no centro de Buenos Aires.
As homenagens às vítimas aconteceram em uma comunidade judaica dividida entre a crítica e o apoio ao governo argentino por sua postura frente ao Irã e pelo que muitos consideram como "poucos avanços" para esclarecer a origem do atentado.
Desde 2011, a presidente Cristina Kirchner não assiste aos atos de aniversário da Amia.
Denúncia surpreende
A denúncia foi recebida com cautela por grupos da comunidade judaica e classificada como algo "ridículo" por parte do secretário-geral da Presidência, Aníbal Fernández.
A Delegação de Associações Israelitas Argentinas (Daia), que reúne 140 instituições judaicas do país, manifestou sua "comoção e surpresa" com a denúncia contra o governo argentino e convocou uma reunião extraordinária para esta quinta.
"Recebemos essa notícia com profunda preocupação.
O secretário-geral da Presidência, Aníbal Fernández, atribuiu a denúncia a problemas internos dentro da Secretaria de Inteligência.
"A presidente tem o poder de firmar tratados, e o Congresso deve aprová-los. É sem sentido o que está acontecendo (...) Por que não chamou para indagação todos os senadores e deputados que votaram?" - perguntou o ex-senador, referindo-se a um acordo.
Nisman sustenta que há provas de que a posição oficial foi motivada "pelo petróleo iraniano", porque "se buscava restabelecer relações comerciais de Estado a Estado, sem prejuízo das trocas que já existiam em nível privado".
A assinatura do memorando de entendimento com o Irã - denunciado como "inconstitucional" pela Amia e por outras organizações judaicas - tensionou as relações entre o governo kirchnerista e essa comunidade, de cerca de 300 mil membros. É a maior da América Latina.
O governo Kirchner defendeu o acordo bilateral com o Irã para investigar os acusados de planejar o ataque.
Cinco ex-funcionários iranianos, entre eles um ex-presidente, atuais ministros e lideranças religiosas locais, têm uma ordem de captura internacional da Interpol contra eles, a pedido da Justiça argentina.
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