Líderes da comunidade judaica e da oposição argentinas criticaram a presidente Cristina Kirchner, nesta terça-feira, após seu primeiro discurso público, ontem, passados oito dias da morte do promotor Alberto Nisman.
Em meio às críticas pela resposta política do governo, a promotora que conduz o caso, Viviana Fein, anunciou que o corpo de Nisman será entregue hoje aos familiares.
Na segunda-feira, Kirchner voltou a relacionar a morte do promotor Nisman, que investigava o atentado à Associação Mutual Israelita Argentina (Amia), a um complô de agentes de Inteligência contra seu governo. O maior ataque da história do país aconteceu em 1994, em Buenos Aires, e deixou 85 mortos.
O prefeito de Buenos Aires e pré-candidato à presidência, Mauricio Macri, exigiu o esclarecimento da morte de Nisman e que tenha continuidade a investigação de sua "grave denúncia" contra Kirchner e seu chanceler, Héctor Timerman.
Nisman apareceu morto quatro dias depois de denunciar a presidente e o ministro das Relações Exteriores por tentativa de "acobertar" os iranianos suspeitos de terem cometido o ataque terrorista à Amia. Entre outras críticas, Cristina foi atacada por sequer dar os pêsames à família do promotor.
Macri afirmou ainda que seu partido (o PRO, de direita) "não confia" no projeto de reforma dos Serviços de Inteligência, anunciado ontem por Cristina em seu discurso. Com isso, pode-se antecipar uma votação negativa da bancada do PRO no Congresso, neste ano eleitoral.
Kirchner disse que pretende acabar com a Secretaria de Inteligência e substituí-la por uma agência federal, entre outros pontos do projeto de lei que será tratado pelo Congresso a partir de 1º de fevereiro.
Segundo a presidente, o complô dos agentes começou com a assinatura, em 2013, de um Memorando de Entendimento entre Argentina e Irã. O acordo possibilitaria interrogar em Teerã os ex-funcionários iranianos apontados no processo. Aprovado pelo Congresso argentino, mas não pelo Parlamento iraniano, esse memorando foi rejeitado pela comunidade judaica argentina, a maior da América Latina, com 300 mil pessoas.
A comunidade reivindica uma lei que permita a realização de um julgamento à revelia. O governo alega que seria uma situação inconstitucional, por não estar prevista na jurisprudência argentina.
"Pedimos que, ao menos, trate-se do projeto e que seja a Justiça a declarar sua constitucionalidade, ou não", defendeu Julio Schlosser, presidente da Delegação das Associações Israelitas da Argentina (Daia), um órgão político que representa 140 entidades judaicas.
'Não somos demônios'
Schlosser lamentou que a presidente Kirchner tenha dito em seu discurso que a assinatura desse memorando "despertou os demônios".
"Nós não somos os demônios.
Pela primeira vez desde a criação dessa data mundial, a comunidade judaica argentina não participou do ato oficial em recordação do Holocausto na Chancelaria, promovido pelo ministro Timerman, que também é judeu.
Em contrapartida, os representantes da comunidade compareceram em um evento na reconstruída sede da Amia, onde sobreviventes da perseguição nazista deram seu depoimento.
Já Cristina Kirchner recebeu hoje familiares das vítimas do atentado à Amia na residência presidencial de Olivos.
Nisman apareceu morto no domingo passado, horas antes de se apresentar no Congresso para explicar sua denúncia contra Kirchner, Timerman e outros funcionários de alto escalão do governo.
Desde o início da gestão kirchnerista, em 2003, a Argentina reivindicou reiteradamente a cooperação judicial do Irã para poder inquirir ex-funcionários iranianos acusados no caso Amia.
Divulgada pela Justiça após a morte do promotor, a denúncia completa de Nisman foi considerada inconsistente por vários destacados juristas.
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