Jornal Estado de Minas

Ex-reféns do Boko Haram contam os sofrimentos durante o cativeiro na Nigéria

AFP

Algumas mulheres relatam sem parar os horrores vividos durante seu sequestro pelo grupo jihadista Boko Haram, enquanto outras se assustam com a simples menção do grupo, ou se fecham no silêncio, relatam os especialistas que atendem as vítimas nigerianas.

Em Yola, no nordeste da Nigéria, para onde 275 mulheres e crianças libertadas de campos do Boko Haram foram levadas no último fim de semana, uma equipe médica tenta curar as feridas psicológicas das ex-reféns, muitas vezes vítimas de abusos sexuais e testemunhas de assassinatos.

Um assistente social, Mohammed Bello, passou a manhã de quarta-feira no acampamento de Malkohi, na periferia da cidade, ouvindo as histórias dessas mulheres.

Uma delas contou que seus dois filhos morreram de fome e sede diante de seus olhos.

"Os mais velhos gritavam por água e alimento.

Os mais jovens era pequenos demais (para reclamar). Ela precisou tirar a camisa para cobrir os corpos de seus filhos", permanecendo nua até a sua libertação, revelou à AFP depois da sessão a portas fechadas com as vítimas.

Outra mulher descreveu como sua irmã morreu durante o parto, assim como seu bebê, enquanto ela tentava ajudar no nascimento sem assistência alguma no meio do mato.

"Essas histórias partem o coração", lamenta Bello.

"Felizmente para elas, essas mulheres conseguiram escapar" da floresta de Sambisa, no estado vizinho de Borno, onde foram mantidas em cativeiro.

"Mas o trauma continua".

As ex-reféns não sabem por quanto tempo vão permanecer no acampamento de Malkohi. As localidades do nordeste da Nigéria onde viviam foram quase todas retomadas do Boko Haram nos últimos meses graças a uma operação conjunta do exército nigeriano e os exércitos de países vizinhos, mas estão em ruínas.

No acampamento, as equipes tratam as lesões físicas e tentam trazer apoio psicológico, mas os traumas, profundos, requerem um trabalho demorado e as vítimas são muitas.

Segundo a Anistia Internacional, mais de 2.000 mulheres e meninas foram sequestradas desde o início de 2014.

Cerca de 700 mulheres e crianças foram libertadas da floresta de Sambisa na semana passada e 25 outras na terça-feira.

O silêncio, uma bomba

Uma primeira sessão a portas fechadas reuniu na quarta-feira 30 médicos, assistentes sociais e psicólogos experientes com algumas das vítimas de Malkohi.

"A maioria delas atravessou várias formas de violência, como mulheres, não uma, mas muitas vezes", explica o psicólogo Christian Macaulay Sabum.

ONGs estrangeiras também estão presentes para lidar com os traumas das crianças, acrescenta Sabum.

Regina Mousa, uma psicóloga da Universidade Americana da Nigéria em Yola, tira de sua própria experiência para compartilhar a dor dessas mulheres.

A filha de Mousa, Nancy, desapareceu aos 12 anos, por três anos, durante a guerra civil em Serra Leoa, de onde eram originárias, na década de 90.

"Este trauma, eu atravessei com a minha família", explica Mousa.

"Levará algum tempo, seis meses, talvez um ano, de acordo com o grau de trauma por que passaram, especialmente quando envolve filhos", acrescenta.

Os grupos de acompanhamento são responsáveis por definir as necessidades específicas de cada um.

Algumas mulheres já tiveram prescritos antidepressivos e sessões de acompanhamento psicológico.

"Uma mulher, especialmente, tem sobressaltos a cada menção do Boko Haram", diz Bello.

"Outras parecem estar bem, dizem que estão felizes e aliviadas, mas não podemos esquecer a extensão do golpe", adverte Mousa, uma vez que o choque pós-traumático pode assumir a forma de pesadelos particularmente violentos.

"Algumas delas ainda não saíram de seu quarto. Elas só saem quando são convidadas. Estas são as que eu me interesso particularmente. Aquelas que são silenciosas são as mais perigosas.

Devem estar em tratamento ".

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