Kerry e Zarif, os grandes artífices do acordo nuclear EUA-Irã

AFP

À primeira vista, o fiel militante da revolução islâmica no Irã e o ex-senador democrata têm muito pouco em comum, mas Mohamad Javad Zarif e John Kerry deixaram sua marca na história ao obter o difícil acordo sobre o programa nuclear iraniano.

Fisicamente, o secretário de Estado americano, alto e magro, sempre vestido com ternos elegantes, e o colega iraniano, de menor estatura, sempre com suas camisas de colarinho oriental, são completamente diferentes.

No entanto, mais de 21 meses de negociações obstinadas para acabar com 12 anos de crise internacional sobre o programa nuclear de Teerã revelaram duas personalidades similares, hábeis e incansáveis.

Desde o histórico aperto de mãos na ONU, em setembro de 2013, os dois se conheceram melhor e, após 50 reuniões, já se chamavam apenas de John e Javad.

No entanto, apesar da cordialidade latente e de algumas brincadeiras em momentos específicos, a relação continua sendo essencialmente profissional.

Afinal de contas, seus países cortaram relações diplomáticas há 35 anos e mantêm divergências em várias questões importantes, como o apoio de Teerã a grupos considerados terroristas por Washington no Oriente Médio.

Artistas da diplomacia

Zarif conhece de maneira profunda as questões políticas americanas: estudou nos Estados Unidos e trabalhou no país como diplomata. Ele foi embaixador do Irã na ONU entre 2002 e 2007.

Uma vantagem inegável nas árduas negociações.

"Tem uma capacidade de vender políticas que são problemáticas do ponto de vista americano de tal forma que as transforma em convincentes e atraentes", afirma a analista Suzanne Maloney, da Brookins Institution.

"Mas é um erro acreditar que é mais americano que iraniano", adverte. Apesar de um Doutorado em Direito Internacional nos Estados Unidos, Zarif é "um puro produto da República Islâmica, e não foi por acaso que conseguiu ascender a uma posição de tão alto nível em um momento tão crucial", recorda Maloney, que considera o iraniano uma pessoa "brilhante".

O presidente iraniano, Hassan Rohani, não hesita em chamar Zarif e sua equipe de "artistas" da diplomacia.

Mas os anos que passou nos Estados Unidos renderam críticas dos ultraconservadores iranianos, assim como o ostracismo durante os mandatos do ex-presidente Mahmud Ahmadineyad, a partir de 2007.

Apesar do retorno ao topo com a eleição de Rohani em 2013, sua "diplomacia do sorriso" continua sendo criticada pelos 'falcões' de seu país, que o acusam de ter feito muitas concessões ao Ocidente e reclamam inclusive do fato de ter caminhado pelas ruas de Viena ao lado de Kerry.

O católico e o xiita

Zarif é ainda um dos poucos dirigentes iranianos com uma conta oficial em inglês no Twitter, algo a princípio proibido no Irã. Também não hesita em usar o Youtube para enviar mensagens ao Ocidente.

Do lado americano, Kerry é sem dúvida o diplomata que teve mais contato com os iranianos, com exceção da subsecretária de Estado Wendy Sherman.

A partir de 2012, Kerry integrou a equipe de diplomatas que negociava, com todo sigilo em Omã, a possibilidade de abrir negociações sobre o programa nuclear de Teerã.

Os dois têm um ponto em comum: ambos são profundamente religioso. O católico Kerry e o xiita Zarif compareciam pontualmente à igreja e à mesquita, respectivamente, entre as reuniões em Viena.

Zarif gosta de afirmar que teme apenas uma 'potência' no universo: Alá.

Apesar da cortesia em público, os encontros nem sempre foram tranquilos no palácio de Viena que recebeu as negociações.

Em alguns momentos as divergências foram intensas, mas nunca deixaram o diálogo em perigo.

"O desafio é muito importante e o acordo alcançado entre os dois antigos adversários é um triunfo, tanto pessoal como profissional", afirma Maloney.

Para Kerry, de 71 anos, o êxito representa o auge de sua carreira, marcada pela derrota na eleição presidencial de 2004 para George W. Bush e o fracasso do acordo de paz palestino-israelense, no qual ele apostou quase tudo.

Para Zarif, 16 anos mais jovem, é um grande troféu para uma carreira que ainda tem espaço para outras conquistas.

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