Jornal Estado de Minas

Resposta descoordenada por parte da UE coloca em risco a segurança de refugiados

- Foto: STR / DOGAN NEWS AGENCY / AFPEnquanto novos muros são erguidos e em meio a promessas de governantes que querem barrar a entrada de refugiados em seus países, a imagem de um menino de 3 anos, encontrado morto em uma praia da Turquia comoveu o mundo e chamou atenção para a tragédia humana que acompanha a crise migratória na Europa. A foto, que mostra a criança com o rosto virado para a areia, foi tirada na manhã de ontem, perto do balneário de Bodrum, e rapidamente ganhou as redes sociais. Em outra imagem, ele é carregado por um policial. Desde o começo do ano, mais de 2,6 mil pessoas perderam a vida em viagens parecidas com a que o menino e a família tentavam fazer. Segundo registros da Agência Europeia de Vigilância de Fronteiras (Frontex), o número de refugiados que se arriscam no mar não para de crescer e deve pressionar ainda mais os governos europeus.

Sem um plano de ação conjunto, a resposta descoordenada por parte da União Europeia (UE) coloca em risco a segurança dos refugiados e a preservação do acordo que permite a livre circulação de pessoas dentro das fronteiras do Espaço Schengen – que compreende 26 países europeus, 22 dos quais são membros do bloco. A aplicação de uma resposta comum dos 28 integrantes da UE será o tema central de uma reunião marcada para o dia 14. Sem acordo, o continente segue dividido e polarizado, e não esconde os contrastes de opinião sobre como lidar com a crise e com seus efeitos econômicos, políticos e sociais.


O chefe da diplomacia eslovaca, Miroslav Lajcak, advertiu ontem que a passagem dos refugiados está “destruindo” o espaço de livre circulação. Ele pediu respeito aos acordos de Dublin, que determinam que o requerente de asilo apresente a solicitação ao Estado europeu pelo qual ingressou.
“Em tempos normais, é difícil obter um visto Schengen, mas agora dezenas de milhares de pessoas circulam sem qualquer controle”, disse Lajcak. “Os migrantes passam livremente por países que são responsáveis por proteger as fronteiras”, lamentou.

A ministra do Interior da Áustria, Johanna Mikl-Leitner, também criticou o desrespeito aos acordos e acusou a Alemanha de provocar uma onda de pessoas transitando sem documentos pela UE — o que, segundo ela, é efeito do anúncio de que o país não deportará os refugiados que lá chegarem para pedir asilo. “Sempre adverti contra uma suspensão dos acordos de Dublin”, disse a ministra ao jornal Die Presse. “Estamos vendo os efeitos disso agora”, concluiu, fazendo referência aos mais de 2 mil barrados na Hungria.

Mecanismo permanente Pressionada, a chefe do governo alemão, a chanceler Angela Merkel, defendeu uma “distribuição justa” dos refugiados na UE e a oferta de ajuda a pessoas em situação de risco. A Alemanha sozinha deve receber mais de 800 mil refugiados até o fim do ano. “Se a Europa fracassar na crise, a relação com os direitos civis universais será quebrada, ela será destruída”, alertou. O Ministério do Interior da Alemanha discute “um plano ambicioso” de asilo, com a expectativa de que seja aprovado em até dois meses.
A legislação deve prever a criação de mais abrigos para refugiados, oferecer mais dinheiro para estados e municípios que aceitarem acomodá-los e acelerar o processo de deportação dos que tiverem o pedido de asilo negado.

Natasha Bertauds, porta-voz da Comissão Europeia (braço executivo da UE), também defendeu um “mecanismo permanente” para dividir equitativamente os refugiados. A ideia é amplamente defendida pelos países que servem como porta de entrada para o continente e há meses alertam para o aumento no fluxo. “Os migrantes não chegam à Grécia, à Itália ou à Hungria. Eles chegam à Europa”, ressaltou o chanceler italiano, Paolo Gentiloni, que pediu mais solidariedade aos vizinhos. Vários governos do bloco, porém, rejeitam a imposição de cotas de imigrantes a serem recebidos em cada país, e argumentam que isso colocaria em risco a estabilidade interna. Em declarações para a rede BBC, o primeiro-ministro britânico, David Cameron, disse não acreditar “que a resposta (para a crise) seja receber mais e mais refugiados”.

Dos 4 milhões de pessoas que deixaram a Síria desde o início da guerra civil, em 2011, apenas 216 conseguiram asilo no Reino Unido, de acordo com informação divulgada na semana passada. Apesar de o país ser um dos destinos preferenciais entre os refugiados, o premiê prometeu que o total acolhido em solo britânico não passará de 1 mil. Cameron desponta como um dos maiores opositores a um plano de ação conjunto.
Ele defende que “o mais importante é levar paz e estabilidade” para regiões em conflito no Norte da África e no Oriente Médio, origem da massa de refugiados. Ele não apresentou, no entanto, propostas de curto prazo para conter a crise.

Naufrágio da consciência
A imagem triste e chocante de uma criança que perdeu a vida tentando chegar à Europa se tornou ícone da tragédia que leva milhares de refugiados a se arriscar na travessia do Mediterrâneo em botes improvisados. Milhares compartilharam a foto em redes sociais com a hashtag #KiyiyaVuranInsanlik (“A humanidade é um fracasso”, em turco). “Alguns dizem que a imagem é muito ofensiva”, escreveu Peter Bouckaert, diretor da Human Rights Watch, em artigo no qual defendeu a decisão de divulgar a foto. “O que eu acho ofensivo é crianças afogadas aparecerem nas nossas praias.” No Twitter, o jornal italiano La Repubblica disse essa é “uma foto para calar o mundo”. Para o espanhol El Periódico, a cena ilustra “o naufrágio da Europa”. A imprensa turca identificou o menino como Aylan Kurdi, de 3 anos. Ele, o irmão e mais 10 pessoas morreram quando o bote no qual viajavam virou em alto-mar.

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