Com a aproximação das festividades dos 40 anos de independência de Angola, na quarta-feira, as autoridades tentam dissimular a miséria em Luanda, recolhendo as crianças de rua e as jogando em orfanatos superlotados.
"O governo decidiu limpar a cidade a partir do final de outubro para transmitir uma imagem positiva" de Luanda, explica à AFP João Facatino, diretor de um dos orfanatos privados de Luanda, o centro de acolhimento infantil Arnaldo Janssen (Cacaj).
Para o 40º aniversário da independência desta ex-colônia portuguesa, que se tornou um gigante petrolífero, Angola imaginou algo grandioso.
Nesta terça-feira à noite, um show do cantor americano Stevie Wonder e do grupo Jackson 5 vai acontecer no centro da cidade. E quarta-feira, cerca de 7.000 convidados, incluindo 100 representantes de países estrangeiros, vão assistir a parada militar organizada na Marginale, a grande avenida que contorna a baia de Luanda, uma das poucas artérias limpas da capital.
No início da tarde, um ônibus chega ao Centro Arnaldo Janssen, escoltado por um policial. Em seu interior, oito crianças esperam em silêncio e exaustas. Uma pequena tem os olhos molhados de lágrimas.
João Facatino, um missionário de cabelo raspado e cavanhaque ligeiramente grisalho, expressa toda a sua frustração: "o governo não está envolvido no funcionamento dos orfanatos, todos privados, com excepção de um, e o método - pegar as crianças à força - é inadequado", afirma.
"A grande maioria das crianças foge já na primeira noite", observa ele. "É preciso uma boa preparação psicológica antes de receber uma criança que tem o hábito de não obedecer regras", diz ele.
Várias milhares de crianças vivem nas ruas de Luanda, capital de 8 milhões de habitantes, segundo estimativas de uma ONG.
A maioria destas crianças ainda têm famílias: foram abandonadas por razões econômicas ou foram expulsas por suspeita de bruxaria.
"Quando há um membro da família que morre ou fica doente, por exemplo, tentam encontrar um culpado", explica João Facatino. "Muitas vezes é a criança mais bagunceira que é acusada".
"Outras crianças apenas se perderam e, por vezes, a família que vê um aviso na TV vem buscá-la dois ou três anos após o seu desaparecimento". Outras crianças, abusadas, também fogem com frequência de casa.
Funcionários de orfanato sem receber
O orfanato de João Faustino oferece perspectivas futuras. As crianças recebem formação profissional.
"Alguns se tornaram advogados ou engenheiros nas empresas de petróleo", afirma o diretor, orgulhoso. "Eles sempre vêm nos visitar. Este orfanato é a sua casa".
O centro, criado em 1993, ocupa um terreno doado pela diocese e pelo grupo britânico BP. Ele abriga cerca de 110 crianças entre 7 e 18 anos, incluindo trinta que chegaram desde que a operação foi lançada pelas autoridades em outubro.
Para passar do refeitório para as carteiras das salas de aula e dormitórios, as crianças caminham por uma área externa onde a lama suja os pés.
Para beber, eles mergulham um copo num barril enferrujado, que recupera a água da chuva.
"Estamos sem dinheiro. Desde o mês passado, não conseguimos pagar os funcionários e não vamos pagar este mês", admite João Facatino. Por esta razão, vários funcionários foram embora.
Uma televisão está ligada no refeitório. É a única distração, com a exceção das raras oficinas de arte. "As crianças vão para a escola de manhã, outras à tarde, e os mais velhos à noite porque não há espaço suficiente para todos", diz o diretor.
Em uma reunião organizada pelas autoridades em outubro, para anunciar a operação de retirada das crianças das ruas, os líderes dos orfanatos consideraram que "o método não era o ideal", segundo João Facatino.
Uma figura de linguagem que reflete o medo em um país controlado com mão de ferro pelo presidente José Eduardo dos Santos desde 1979.
Para João Facatino, "o governo conhece a nossa situação, mas para mudar as coisas, deveria haver investimentos. E, apesar das promessas, eu não acredito que isso faça parte do programa. Finalmente, ontem nos trouxeram alguns colchões".