Atingidas por atentados jihadistas que mataram centenas de seus cidadãos, França e Rússia anunciaram o início de uma cooperação inédita em 70 anos contra um inimigo comum - o grupo Estado Islâmico -, voltando a bombardear a cidade de Raqa, seu reduto na Síria.
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Dez caças franceses lançam novo ataque a reduto do EI na SíriaRússia dobra ataques aéreos contra Estado Islâmico na Síria, diz ministroRússia executou número significativo de ataques sobre Raqa nas últimas horasFrança realiza novo ataque aéreo sobre reduto do Estado Islâmico na SíriaExército russo anuncia terceira série de bombardeios em massa contra o EIAmbulância com explosivos perto de estádio levou polícia a cancelar amistoso na AlemanhaNa madrugada desta terça-feira, Raqa foi bombardeada pela Força Aérea francesa pela segunda vez em 24 horas. Pouco depois, a Rússia lançou bombardeios com mísseis de cruzeiro e bombardeiros estratégicos. Os presidentes François Hollande e Vladimir Putin conversaram em seguida por telefone sobre a "coordenação" de seus esforços, informou a Presidência francesa. O Kremlin destacou que os dois são favoráveis a "uma coordenação mais estreita" entre seus serviços secretos sobre a Síria.
Aliados
Até o momento, no entanto, Hollande e Putin divergem sobre o futuro do presidente sírio, Bashar al-Assad. Enquanto Al-Assad conta com o apoio russo, a França quer que ele deixe o poder. Isso não impede que, desde o fim de setembro, lancem bombardeios na Síria - a França, exclusivamente contra o EI, e a Rússia, principalmente com outros grupos que combatem Al-Assad.
Em um discurso no Parlamento, Hollande defendeu na segunda-feira "unir" a ação das forças francesas, russas e americanas contra o EI. Com esse objetivo, o presidente Hollande se reunirá com o colega americano, Barack Obama, em Washington, em 24 de novembro, e com Putin, em Moscou, no dia 26.
A aproximação franco-suíça começou a ser delineada com a ordem dada por Putin à sua Força naval para que "coopere com os aliados" franceses. O porta-aviões "Charles de Gaulle" zarpará nesta quinta-feira rumo ao Mediterrâneo oriental. "Um destacamento naval francês transportado por um porta-aviões chegará em breve ao seu setor.
É preciso estabelecer um contato direto com os franceses e trabalhar com eles como aliados", declarou Putin durante reunião do Estado-Maior do Exército russo, dedicada às operações militares na Síria. O Kremlin também evocou o acordo de princípio de Hollande e Putin para uma "coordenação mais estreita" no campo militar, mas, sobretudo, entre agências de Inteligência.
Segundo o historiador militar russo Mikhail Miagkov, "a última vez em que França e Rússia lutaram lado a lado foi certamente durante a Segunda Guerra Mundial". "É preciso lembrar da (...) Segunda Guerra Mundial, quando França e Rússia lutaram contra um inimigo comum que ameaçava destruir toda a humanidade. Isto se tornou mais atual do que nunca quando se trata de combater um inimigo como o EI", explicou o historiador, referindo-se à guerra comum contra o nazismo. A Síria e a luta contra o Estado Islâmico também foi o eixo da reunião desta terça-feira entre Hollande e o secretário de Estado americano, John Kerry.
Ele afirmou que a Síria talvez esteja a algumas semanas de uma "grande transição" política, após o compromisso internacional, alcançado em Viena, de uma reunião entre o regime e a oposição sírios em 1º de janeiro do ano que vem.
Cúmplices na Bélgica e na França?
As operações de varredura também prosseguiram na França. Nas últimas horas, houve "128" no âmbito do estado de emergência, decretado após os atentados, informou o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve. Na noite passada foram 168. A investigação sobre os ataques na noite de sexta-feira, na casa de shows Bataclan, nos arredores do Stade de France e em vários bares e restaurantes da capital, já resultou na identificação de cinco dos sete suicidas. As buscas pelo possível oitavo autor dos atentados, Salah Abdeslam, continua, assim como a identificação dos restos mortais de outros dois suicidas.
Ainda "não sabemos se há cúmplices" desse massacre na França, ou na Bélgica, disse hoje o premiê francês, Manuel Valls, admitindo que as autoridades ainda não estão certas "do número de pessoas envolvidas". Os atentados foram "decididos e planejados na Síria, preparados e organizados na Bélgica e praticados" na França, "com cúmplices franceses", afirmou o presidente Hollande.
Os suicidas identificados até agora são franceses, mas o quinto tinha passaporte sírio, "cuja autenticidade ainda é preciso verificar". Em nome de Ahmad Al Mohammad, o documento foi registrado na Grécia em posse de um imigrante, cujas impressões digitais batem com as do suicida, segundo autoridades francesas.
Por fim, fontes ligadas à investigação indicaram que o texto de reivindicação dos atentados em nome do Estado Islâmico foi lido em uma gravação difundida na Internet pelo jihadista francês Fabien Clain. Na noite de segunda-feira, a Bélgica aumentou para 3 o nível de alerta terrorista no país, o que implica uma ameaça possível e provável de atentados. Como consequência, foram cancelados os jogos amistosos que deveriam ser disputados nesta terça-feira entre as seleções da Espanha e da Bélgica, em Bruxelas, e entre Alemanha e Holanda, em Hanover.
A ameaça à segurança levou Hollande a pedir ao Parlamento a extensão do estado de emergência para três meses e a anunciar a criação de 5.000 vagas adicionais na Polícia e nas forças da ordem, 2.500 na Justiça, e 1.000 na Alfândega. O presidente também prometeu uma reforma constitucional para "poder atuar contra o terrorismo de guerra" e gerenciar a crise atual.
Entre seus projetos, está a retirada da nacionalidade francesa das pessoas nascidas no país, em caso de terrorismo, e a imposição de um "visto de retorno" aos seus cidadãos "potencialmente envolvidos" nas redes jihadistas que voltarem da Síria e do Iraque.
O governo francês sugere ainda instalar detectores de metais em todas as estações ferroviárias francesas, semelhantes aos que são usados nos aeroportos. Segundo Valls, essa bateria de medidas impedirá a França de respeitar os critérios fiscais exigidos por Bruxelas, os quais limitam o déficit a um máximo de 3% do PIB..