A emergência econômica declarada pelo governo venezuelano busca estender à oposição o custo político da crise, cuja solução, segundo analistas, não se vislumbra com as medidas anunciadas que acentuam o controle estatal sobre uma economia estagnada.
Para o economista e professor universitário Luis Oliveros, o decreto de emergência é "uma armadilha do governo de Nicolás Maduro para compartilhar os custos políticos com a oposição e tomar algumas medidas, como aumentar a gasolina".
Em entrevista à AFP, o analista disse acreditar que, caso novo Parlamento de maioria opositora não apoie o decreto, isso daria argumentos ao Executivo para dividir com a instituição a responsabilidade pela crise. Se o Parlamento, por outro lado, o respaldar, o governo se livraria de parte do peso.
Embora tenha dito que a crise "não é superável com esse governo", o presidente legislativo Henry Ramos Allup afirmou que a oposição estudará o decreto de emergência, mas não informou se será submetido à discussão na sessão desta terça-feira.
O decreto do governo argumenta que uma "guerra econômica" induzida por empresários afeta o acesso a bens e serviços para gerar mal-estar entre os venezuelanos e romper a constitucionalidade.
Desse modo, o governo poderá dispor de bens do setor privado para garantir o abastecimento de produtos básicos e fixar limites à entrada e saída de moeda local em espécie, criando dois caminhos para reativar uma economia que teve uma contração de 4,5% de janeiro a setembro de 2015.
Entre os economistas existe a percepção de que o governo chavista acentuará seu modelo centralista apesar dos preocupantes indicadores: déficit público de quase 20% do PIB, escassez superior a dois terços dos produtos básicos, inflação anual de 141,5% em setembro (oficial), pagamentos de quase 11 bilhões de dólares em 2016.
A empresa Barclays afirmou recentemente que "o novo gabinete não parece ter urgência em enfrentar a crise, na medida em que mantém a postura radical" em relação à economia de mercado e aos capitais privados.
A nomeação como ministro da Economia do sociólogo Luis Salas, defensor da teoria da guerra econômica, ilustra a postura que domina no Executivo apesar da presença de alguns moderados, aponta a Barclays.
Ao apresentar seu informe anual de trabalhos diante da Assembleia na última sexta-feira, Maduro, que chamou a crise de "catastrófica", disse que "chegou a hora" de elevar preço da gasolina, invariável desde 1998 e a mais barata do mundo (0,015 dólares por litro), tema recorrente há dois anos.
Alimentos ou dívida?
A Venezuela obtém 96% das suas divisas do petróleo, e as utiliza sobretudo para importar alimentos e medicamentos, entre outros itens básicos. E com o petróleo negociado a 25,93 dólares o barril, os alarmas estão soando.
Oliveros calcula que "o rombo em divisas é de quase 28 bilhões de dólares para 2016, com um preço do petróleo a 30 dólares. E a Venezuela precisa de um petróleo a 80 dólares para equilibrar seu fluxo de caixa".
O economista Orlando Ochoa adverte que "o nível baixo de reservas internacionais (15,595 bilhões de dólares) tem alarmado o Executivo".
Com um preço de 30 dólares as receitas da Venezuela no primeiro trimestre "apenas superará os 6 bilhões de dólares, e isso não é suficiente para importar alimentos, medicamentos, pagar a dívida e honrar os compromissos com a China", disse Ochoa.
Para o segundo semestre de 2016 "será impossível abastecer o país e pagar a dívida com esse modelo político e econômico" já que "o decreto de emergência não dá ideia de nenhum plano macroeconômico para estabilizar e ganhar tempo e confiança com os mercados", acrescenta Ochoa.
Na segunda-feira, o vice-presidente Aristóbulo Istúriz garantiu que "o decreto evita que o país volte a situações que vivemos em outras épocas", referindo-se ao "Caracazo", explosão social com dezenas de mortos no fim da década de 1980.
"Temos que buscar uma saída que não seja neoliberal, mas, isso não quer dizer que há uma posição contra o setor privado", afirmou Istúriz.