As Nações Unidas pediram nesta sexta-feira aos países atingidos pelo vírus zika, suspeito de provocar má-formação congênita, que permitam o acesso das mulheres à contracepção e ao aborto - um assunto polêmico na América Latina, região mais afetada pela epidemia.
Enquanto o aborto e a pílula do dia seguinte continuam proibidos em diversos países latino-americanos, os recentes conselhos para que as mulheres evitem engravidar - dados por diversos governos, como El Salvador, Colômbia e Equador - parecem contraditórios.
"Como podem pedir às mulheres que não engravidem, mas não oferecem a possibilidade de prevenir a gravidez", declarou Cecile Pouilly, porta-voz do Alto Comissariado para Direitos Humanos, referindo-se às legislações restritivas de diversos países na América Latina.
O vírus é suspeito de estar por trás do recente surto de recém-nascidos com microcefalia, uma má-formação congênita que acarreta numa caixa craniana anormalmente pequena.
Diante da explosão desta condição na América do Sul, especialmente no Brasil, a OMS decretou na última segunda-feira uma situação de "emergência pública internacional".
Na quinta-feira, a OMS também considerou "apropriado" recusar doações de sangue de passageiros provenientes de países onde há surtos de zika, para impedir a propagação do vírus, enquanto uma mulher grávida que esteve na Colômbia foi diagnosticada na Espanha, o primeiro caso na Europa.
O vírus se propaga de maneira exponencial na América Latina por meio dos mosquitos do tipo Aedes, mas os Estados Unidos relataram um caso de transmissão por via sexual, no Texas.
O vírus também foi detectado na urina e na saliva, anunciou nesta sexta-feira a Fundação Osvaldo Cruz, explicando, contudo, que ainda é muito cedo para saber se trata-se de um novo tipo de contágio.
"A presença do zika vírus, na forma ativa, foi detectada na saliva e na urina", declarou Paulo Gadelha, diretor da Fiocruz no Rio de Janeiro, pedindo, na dúvida, que as mulheres grávidas "evitem beijar, dividir talheres" de uma pessoa que apresente os sintomas do vírus.
O Brasil é o país mais afetado pela epidemia, com 1,5 milhão de pessoas contaminadas, 404 casos de bebês nascidos com microcefalia desde outubro e 3.670 outros casos suspeitos associados ao zika, contra 147 confirmados em 2014.
- Conselho inútil -
Na Colômbia e no Equador, o aborto só é permitido no caso de risco à vida da mãe.
Em El Salvador, a interrupção da gravidez é punida com até 40anos de prisão: em novembro, a Anistia Internacional denunciou que cerca de vinte mulheres tinham sido presas por terem abortado.
Recomendar não ficar grávida não tem nenhuma utilidade nos países que proíbem ou limitam estritamente o acesso aos métodos contraceptivos, como a contracepção de emergência ou o aborto, ressaltou nesta sexta-feira o Alto Comissário da ONU para Direitos Humanos.
"O conselho dado por alguns governos às mulheres para que evitem engravidar ignora que muitas mulheres não tem qualquer controle sobre o momento ou as circunstâncias nas quais podem ficar grávidas, especialmente em âmbitos onde a violência sexual é bastante habitual", disse Zeid Ra'ad al-Hussein.
Ele pediu que os governos "garantam que as mulheres, os homens e os adolescentes tenham acesso aos serviços e informações de qualidade sobre saúde e reprodução, sem discriminação", pelo direito à reprodução, aos cuidados maternos e ao aborto num ambiente seguro.
A ministra salvadorenha da Saúde, Violeta Menjivar, garantiu nesta sexta que os métodos contraceptivos estão mais facilmente disponíveis nos hospitais públicos do país, renovando seu "apelo às mulheres que pensem de maneira responsável, que evitem engravidar".
A epidemia também recendeu o debate sobre a interrupção da gravidez no Brasil, o maior país católico do mundo.
Um grupo de militantes, advogados e médicos, entre eles o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão, vai iniciar uma batalha legal no Supremo Tribunal Federal (STF) para que a corte autorize o aborto em caso de microcefalia e quando uma grávida contrai zika e não quer levar a gestação adiante.
No Brasil, o aborto é descriminalizado apenas em casos de estupro, risco à vida da mãe e anencefalia.
"É um tema polêmico que envolve toda a sociedade e só pode ser tratado através de uma mudança na legislação", disse à AFP uma funcionária do ministério da Saúde, que pediu anonimato.
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