Ceticismo impera entre exilados

Expoentes do exílio nos EUA comentam reaproximação de Obama com Cuba

Presidente norte-americano chega à ilha de Castro 88 anos depois de um mandatário americano pisar na ilha e espera consolidar a reaproximação entre os dois países. Dissidentes do governo castrista criticam

Rodrigo Craveiro
Chegada do presidente norte-americano à ilha de Castro não convenceu anti-castristas exilados nos EUA - Foto: Yamil Lage / AFP PHOTO

Quando eu saí de Cuba/Deixei minha vida, deixei meu amor/Quando eu saí de Cuba/Deixei meu coração enterrado. O compositor argentino Luis Aguilé (1936-2009) transformou em canção o sentimento da maior parte dos 650 mil exilados cubanos que vivem no Sul da Flórida, a cerca de 150 quilômetros da ilha socialista. Muitos deles tiveram que abandonar a terra natal quando crianças; outros fugiram depois de se tornarem prisioneiros políticos. A reportagem entrevistou expoentes do exílio nos Estados Unidos sobre a histórica viagem de Barack Obama a Cuba, iniciada na noite de ontem. Eles compartilham da pouca esperança, da indignação e de um ceticismo ante a visita de Obama e afirmam esperar que o visitante exija do regime de Raúl Castro o respeito aos direitos humanos.


Pedro Corzo, de 73 anos, trocou Havana por Miami em 1992. “Estive na prisão por oito anos. Quando fui detido, em 1964,  ainda era um estudante. As condições no cárcere eram desumanas.

Fomos submetidos a um regime de trabalho forçado que flutuava entre 12 e 14 horas. Além de espancados com frequência, a reclusão na cela solitária era prática comum. Mais de 10 colegas morreram durante greves de fome”, lembra o jornalista, escritor e cineasta, presidente do Instituto de la Memoria Historica Cubana contra el Totalitarismo.

“Considero que a visita de Obama não vai repercutir, de modo importante, no desenvolvimento econômico e político de Cuba. Ela responde somente a critérios e a interesses do presidente norte-americano. Diria que é como parte de seu legado presidencial”, observa Corzo. Apesar de acreditar que o tema “direitos humanos” constará na agenda dos líderes cubano e norte-americano, o jornalista aposta em cautela do regime de Havana. “Talvez Obama aborde, em privado, a situação política de Cuba. No entanto, considero que eles serão muito cautelosos, pois já afirmaram, em mais de uma ocasião, que a aproximação com o governo de Cuba será um processo a longo prazo.”

Presidente do Movimento Democracia, sediado em Miami, Ramón Saúl Sánchez deixou Cuba aos 13 anos e se incorporou à luta pela democracia na ilha dois anos depois. A organização não governamental que dirige propõe a luta cívica não-violenta e defende a reunificação da família cubana. “É bom quando dois países se fazem amigos, sob o ponto de vista humano. No entanto, os EUA modificaram o viés político da visita, ao pedirem o fim do embargo comercial a Cuba; isso ajudou a ditadura a se apresentar como vítima do imperialismo ianque”, opina. Para o ativista exilado, além de demandar a suspensão do embargo, Obama deveria solicitar o levantamento do bloqueio às liberdades civis e econômicas.

Diretor do Instituto de Pesquisa Cubana da Universidade Internacional da Flórida, Sebastián Arcos nunca mais pôs os pés em Cuba. Já se passaram 24 anos desde que abandonou a ilha.
Na opinião dele, a ida de Obama a Havana é um erro, por ser prematura. O professor explica que o regime cubano vai tirar proveito da visita, por entender que ela concederá legitimidade política ao status quo – uma espécie de chancela ao governo castrista. “É um retrocesso para a causa da democracia em Cuba, pois Obama abençoa a pior e mais longeva ditadura do Hemisfério Ocidental, sem que ela tenha feito uma única reforma política. Com isso, o presidente norte-americano viola o Consenso de Washngton, estabelecido durante a década de 1980, que se coloca a favor das democracias de livre mercado e contra as ditaduras”, diz Arcos.


Viagem que divide opiniões


Havia 88 anos que um chefe de Estado americano não visitava o país. Quebrar esse jejum é uma forma de Obama deixar, no fim de seu mandato, mais uma marca na política externa dos Estados Unidos. O gesto, contudo, não agrada a todos. Muitos americanos ainda enxergam o regime castrista como um inimigo com o qual não se deve tentar dialogar. E vários cubanos críticos ao governo comunista não veem com bons olhos a aproximação. Para nascidos na ilha que hoje vivem nos EUA, a repressão aos opositores continuará.

Dissidentes que moram no país pensam de maneira parecida e acusam Obama de demonstrar apoio a uma ditadura.

O presidente argumenta que a política adotada pelos americanos nas últimas décadas não foi bem-sucedida e defende que o embargo econômico imposto à ilha seja suspenso – medida que depende de aprovação do Congresso dos EUA. Obama também diz que deseja ouvir, sem intermediários, o que os cubanos têm a dizer, como deixou claro na mensagem que postou no Twitter assim que chegou a Havana. “Acabei de aterrissar. Ansioso para conhecer e escutar o povo cubano”, escreveu, depois de uma saudação em espanhol: “¿Que bolá Cuba?”.

O encontro com o presidente Raúl Castro acontece hoje, e o americano deve também fazer um pronunciamento no tradicional Teatro Alicia Alonso. Segundo a equipe que acompanha o americano, as autoridades cubanas não expressaram qualquer objeção sobre sua transmissão do discurso por rádio e tevê na ilha. Segundo Ben Rhodes, assessor do presidente americano e um dos negociadores iniciais da reaproximação entre os dois países, a fala de Obama se propõe a “descrever o atual curso das relações, passar em revista a complicada história comum e também olhar adiante”. “Queremos chegar a todos os cubanos, os da ilha e também os integrantes da comunidade cubano-americana”, detalhou Rhodes.

NEGÓCIOS Ninguém, contudo, afirma Rhodes, espera uma revolução nas relações entre os dois países, mas mudanças graduais. Da mesma forma, o governo de Castro não dá sinais de que mudará rapidamente. “Em qualquer caso, seguiremos o processo que vínhamos desenvolvendo para impulsionar nosso modelo econômico, sem aplicar políticas de ajuste e terapias de choque, com o objetivo de tornar nosso socialismo próspero e sustentável”, afirmou o ministro cubano de Comércio Exterior e Investimentos Estrangeiros, Rodrigo Malmierca, em coletiva à imprensa.

Malmierca destacou que o restabelecimento de relações diplomáticas entre Cuba e Estados Unidos em julho passado despertou o interesse do empresariado mundial em fazer negócios com Cuba, mas ressaltou que o embargo, aplicado por Washington desde 1962, continua sendo “o principal obstáculo”. O ministro destacou que, no quarto pacote de medidas de alívio do embargo americano, anunciado nessa semana por Washington, “foram introduzidas mudanças importantes”, entre as quais a suspensão da proibição do uso do dólar nas transações internacionais do país.

Ao fim da visita oficial a Cuba, amanhã, Obama e sua delegação seguem para Buenos Aires. Lá, o presidente americano vai se reunir com seu colega Mauricio Macri. Além da visita com Macri, Obama deve se reunir com jovens argentinos, e pretende viajar com a família para Bariloche, na zona andina.

 

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