O ex-presidente cubano Fidel Castro afirmou que, apesar da recente visita de Barack Obama, a ilha não precisa de presentes dos Estados Unidos, nem esquecerá o passado de confrontos com Washington.
"Não necessitamos que o império nos presenteie nada", escreveu Castro, em um artigo publicado nesta segunda-feira no jornal oficial Granma, com o título "O irmão Obama", uma semana depois da histórica visita do presidente americano ao país.
Durante a estadia em Havana entre 20 e 22 de março, Obama afirmou em um discurso transmitido ao vivo pela televisão cubana que "é hora de esquecermos o passado, deixarmos o passado, de olharmos para o futuro, olharmos juntos, um futuro de esperança".
Castro, que completará 90 anos em agosto e que governou Cuba durante 48 anos, até 2006, destacou que Obama utilizou as "palavras mais melosas" no discurso. "Se supõe que cada um de nós corria o risco de um infarto ao escutar estas palavras do presidente dos Estados Unidos", escreveu Castro com ironia, recordando o embargo imposto por Washington em 1962 e seu respaldo a ações violentas contra o governo da ilha.
"Ninguém tenha a ilusão de que o povo deste nobre e abnegado país renunciará à glória e aos direitos, e à riqueza espiritual que ganhou com o desenvolvimento da educação, da ciência e da cultura", reafirmou o histórico líder cubano, que se afastou do poder há 10 anos por uma grave crise de saúde e foi substituído na presidência por seu irmão Raúl Castro. Fidel Castro sugeriu a Obama que "reflita e não tente agora elaborar teorias sobre a política cubana". "Não necessitamos que o império nos presenteie nada. Nossos esforços serão legais e pacíficos, porque é nosso compromisso com a paz e a fraternidade de todos os seres humanos que vivem neste planeta", concluiu o líder cubano.
Página da história
Nos últimos dias, vários artigos foram publicados na imprensa cubana afirmando, segundo a opinião de acadêmicos e jornalistas, que Obama fez omissões em seu discurso.
Nos artigos, os autores rejeitam o apelo feito por Obama - primeiro presidente dos Estados Unidos a visitar Cuba em 88 anos - a virar a página da história e esquecer os confrontos anteriores entre os dois países. "Sua lógica discursiva deixa espaços de ar que escapam, minimizam ou manipulam os fatos", afirmou o acadêmico e jornalista Enrique Ubieta.
No entanto, embora o presidente Raúl Castro tenha ouvido da plateia o discurso de Obama, o governo cubano não reagiu oficialmente a sua fala, já que Fidel não faz mais parte do Executivo, ainda que mantenha sua influência.
Cuba e Estados Unidos restabeleceram relações em julho, depois de mais de cinco décadas de confronto, e a visita de Obama visava promover o processo de "normalização" dos vínculos, que ambos os governos admitem que será lento e gradual. "É hora de esquecer o passado, deixar o passado, olhar para o futuro, vamos olhar juntos, um futuro de esperança", declarou Obama, que criticou o embargo contra a ilha e pediu ao Congresso dos Estados Unidos para acabar com o mesmo.
Depois de enfrentar o antagonismo de nove administrações consecutivas, Fidel Castro considerou que o "bloqueio cruel" já dura "quase 60 anos." Ele também questionou: "o que acontece com aqueles que morreram em ataques mercenários a barcos e portos cubanos, um avião cheio de passageiros que explodiu no ar, as invasões mercenárias, vários atos de violência e de força?".
O pedido de Obama para deixar o passado para trás também encontrou resposta fora do âmbito oficial. Em sua homilia na última Sexta-feira Santa na catedral de Havana, o cardeal Jaime Ortega também respondeu a estas palavras. "Entre os países, entre nós, precisamos de perdão, por quê? Porque a história não é facilmente esquecida, existem mágoas que não são esquecidas, uma página não é virada facilmente, porque precisamos perdoar as ofensas", disse Ortega.
O cardeal afirmou que "há uma grande dificuldade" em esquecer o passado: "Não se vira a página e não se deixa a história para trás, porque a história é necessária e a história é mestre da vida como disse o pensador grego e precisamos tê-la sempre presente e, contudo, viver reconciliados".