O presidente interino, Michel Temer (PMDB-SP), prometeu aos brasileiros, nesta quinta-feira, recuperar a credibilidade do país e resgatá-lo do abismo econômico, em pronunciamento após assumir o posto com o afastamento de Dilma Rousseff.
Cercado de seu recém-empossado gabinete, composto por 24 ministros - todos homens - no Palácio do Planalto, o vice de Dilma, transformado em um de seus principais inimigos, dirigiu palavras de esperança aos brasileiros e pediu confiança na capacidade da maior economia latino-americana em superar a pior recessão em décadas.
"É preciso recuperar a credibilidade do Brasil no cenário nacional e internacional" e adotar medidas que cortem os gastos públicos e atraiam investimentos para combater a elevada inflação e o desemprego crescente, disse Temer, um astuto e discreto advogado constitucionalista de 75 anos, conhecedor dos bastidores do poder.
'Governo de salvação nacional'
Primeira mulher eleita presidente do Brasil, Dilma Rousseff foi substituída nesta quinta-feira, depois que o Senado decidiu afastá-la por até 180 dias para submetê-la a um julgamento político, em uma sessão interminável que durou mais de 20 horas.
A ex-guerrilheira, de 68 anos, é acusada de crime de responsabilidade por maquiar contas públicas nas chamadas "pedaladas fiscais", mas se declara inocente e afirma que Temer é "um traidor que aplicou um golpe parlamentar", juntamente com seu também desafeto, o presidente afastado da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ).
Em um contexto de elevada politização entre defensores e críticos do impeachment, o presidente interino disse que "é urgente pacificar a nação e unificar o Brasil" e que implantará um "governo de salvação nacional".
O Brasil sofreu forte contração de 3,8% do PIB no ano passado, a maior em 25 anos.
Apelo à resistência
Minutos antes de deixar o Planalto, uma Dilma desafiadora apelou à mobilização popular para defender a democracia.
"Aos brasileiros que se opõem ao golpe, independentemente de posições partidárias, faço um chamado: mantenham-se mobilizados, unidos e em paz", afirmou Dilma em sua despedida do Planalto, que marcou, na prática, o fim de 13 anos de governo do PT.
"A luta pela democracia não tem data para terminar", acrescentou, de cabeça erguida e sem derramar uma lágrima.
"O que está em jogo no processo de impeachment não é apenas meu mandato. Está em jogo o respeito às urnas, à vontade soberana do povo brasileiro e à Constituição. O que está em jogo são as conquistas dos últimos 13 anos, os ganhos das pessoas mais pobres e da classe média", acrescentou, em referência aos programas sociais impulsionados pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
Dilma deixa o cargo com apenas 10% de popularidade, em meio ao megaescândalo de propina na Petrobras, que atinge boa parte da elite do poder em Brasília, e ficará sem inaugurar os Jogos Olímpicos, que se celebram em agosto no Rio.
Para afastá-la definitivamente, a oposição precisará de dois terços dos votos no Senado (54 do total de 81 membros) - um a menos que os contabilizados na manhã desta quinta-feira, o que torna pouco provável a volta de Dilma ao poder.
Grande parte de seu desgaste se deve ao escândalo na Petrobras, descoberto há dois anos, e que expôs dezenas de políticos do PT e partidos aliados, bem como empresários poderosos.
A ex-guerrilheira não é alvo de nenhuma investigação, ou de acusação por corrupção. Mas tanto aliados quanto adversários são investigados, ou acusados, neste imenso escândalo que desviou da Petrobras mais de US$ 2 bilhões.
Sessenta e um por cento dos brasileiros são favoráveis ao impeachment de Dilma, mas o processo é questionado, porque o Congresso carece de credibilidade: a maioria de deputados e senadores já foi condenada, ou é acusada de ter cometido crimes em algum momento.
Os mercados apostam em que Temer possa mudar o rumo da economia do país. Ele conta, porém, com uma popularidade baixíssima e enfrenta enormes desafios - quase os mesmos que fizeram a opinião pública se desiludir com Dilma.
O novo gabinete arrancou aplausos dos mercados: o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, ligado ao mercado, será o novo ministro da Fazenda; e o economista José Serra, ex-governador de São Paulo, estará à frente do Itamaraty.
Também há fortes críticas diante da ausência no gabinete de mulheres - não foi nomeada uma sequer - e de negros ou mulatos, que compõem 53% da população brasileira. Além disso, sete dos 24 ministros estão na mira da "Operação Lava Jato", investigação da Polícia Federal sobre a corrupção na Petrobras.
Os ambientalistas também criticaram muito a indicação de Blairo Maggi, um poderoso latifundiário, conhecido como o "rei da soja", ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Enquanto estiver afastada, Dilma Rousseff vai preparar sua defesa no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência. Ela manterá seu salário integral e terá direito a assistência médica, segurança pessoal, transporte aéreo e terrestre e uma equipe de funcionários para seu gabinete pessoal.
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