Londres, Reino Unido - Os britânicos decidiram abandonar a União Europeia (UE), um terremoto que levou o primeiro-ministro David Cameron a anunciar nesta sexta-feira (24/6) que vai deixar o cargo, afundou os mercados e provoca o temor de um efeito dominó na Europa. Os britânicos votaram por estreita margem, 52% a 48%, a favor da saída do Reino Unido do bloco europeu que integrava desde 1973. Mas escoceses e norte-irlandeses se mostraram em desacordo e pediram a organização de referendos para decidir seu futuro por conta própria.
E enquanto os bancos centrais e os investidores internacionais tentam superar a tempestade, a primeira vítima política foi o homem que convocou o referendo sobre a permanência britânica na UE, o próprio Cameron. "Eu não penso que seria correto tentar ser o capitão que orienta nosso país até até seu próximo destino", disse Cameron, visivelmente abalado, diante da residência oficial de Downing Street.
Ele completou que o "novo primeiro-ministro deveria estar no cargo antes do início do congresso do Partido Conservador", em outubro. "Os britânicos votaram a favor de deixar a União Europeia e sua vontade têm que ser respeitada", declarou. "Acredito que o novo primeiro-ministro é quem deve tomar a decisão de ativar o Artigo 50", afirmou, a respeito do Tratado Europeu de Lisboa, que abrirá o período de negociações para a ruptura.
Cameron defendeu a ideia de convocação do referendo, o segundo na tortuosa relação entre Reino Unido e UE. Os britânicos votaram "sim" à permanência no bloco europeu em 1975. "Temos uma democracia parlamentar, mas há momentos em que o correto é consultar a população".
Mas os vencedores não deram trégua. "Agora precisamos de um governo Brexit", disse um dos representantes da vitória histórica, Nigel Farage, o líder do minúsculo Partido da Independência do Reino Unido (UKIP), que tem apenas um deputado na Câmara dos Comuns. Farage, que incendiou a campanha com um discurso duro e contra os imigrantes, pediu que o 23 de junho seja declarado "Dia da Independência". Cameron deve permanecer no posto de chefe de Governo até outubro, quando o Partido Conservador celebrará seu congresso.
Reações
Os países fundadores da UE (Alemanha, França, Holanda, Itália, Bélgica e Luxemburgo) anunciaram uma reunião extraordinária no sábado em Berlim, um prelúdio do que pode virar uma disputa diplomática com Londres de resultados imprevisíveis para todo o bloco. A Espanha pediu imediatamente uma "soberania compartilhada" sobre Gibraltar, território que votou quase por unanimidade na permanência na UE.
O candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, que visita a Escócia nesta sexta-feira para inaugurar um campo de golfe, afirmou que o Brexit é "fantástico". As Bolsas desabavam, a libra esterlina registrava a menor cotação em 30 anos e os investidores compravam de maneira intensa títulos da dívida alemã, em uma possível nova crise financeira na ainda combalida Eurozona. O Banco da Inglaterra se mostrou disposto a injetar imediatamente 250 bilhões de libras esterlinas em liquidez no mercado.
Sem precedentes na UE
Nunca na história da UE um país havia votado para abandonar o projeto nascido nos anos 1950, das cinzas da Segunda Guerra Mundial. Os chefes da diplomacia da Alemanha, França, Holanda, Itália, Bélgica e Luxemburgo anunciaram uma reunião de emergência em Berlim. "Sou totalmente consciente de quão sério, dramático, é este momento. (...) É um momento histórico, mas certamente não é um momento para reações histéricas", afirmou o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk. Não existirá um vazio jurídico enquanto o Reino Unido negocia formalmente como abandonar o bloco, completou.
A negociação, de acordo com os tratados europeus, pode levar dois anos no máximo, a partir do momento em que um membro denuncia. Após os dois anos, o divórcio precisa ser consumado, independente das divergências ainda existentes. Em jogo está o status legal de milhões de trabalhadores europeus no Reino Unido, de centenas de milhares de aposentados britânicos em países como Espanha, França ou Portugal.
As reações não demoraram no continente. A líder da Frente Nacional (FN), Marine Le Pen, também defendeu a ideia de um referendo sobre a UE na França, assim como o político de extrema-direita holandês Geert Wilders. A Otan fez questão de destacar que o Reino Unido continuará sendo um "sólido" aliado na organização e permanecerá com seu papel de liderança.
O referendo histórico evidenciou uma brecha insuperável entre regiões, gerações e classes sociais britânicas. As grandes cidades votaram de maneira majoritária pela permanência, enquanto as zonas rurais optaram pela saída. Os jovens estavam dispostos a permanecer dentro de um bloco que possibilita liberdade de movimentação, mas os idosos só conseguiam enxergar uma invasão de imigrantes, 300.000 por ano, que deveria ser interrompida o mais rápido possível. Motivo de alegria para muitos, mas que abala a Europa e os partidários do bloco. "Um desastre f...", resumiu um corretor da Bolsa de Londres..