Brasília – Quatro países-membros do Mercosul discutem hoje, em Montevidéu, a transferência da presidência do bloco para a Venezuela, em uma reunião de ministros de Relações Exteriores esvaziada pela ausência dos titulares do posto na Argentina e no Brasil. José Serra, que cancelou uma viagem à China e ficará no Brasil para tratar da coluna, enviará um representante. O encontro foi convocado a pedido do chanceler paraguaio, Eladio Loizaga, que defende a suspensão da Venezuela do bloco, por violações da ordem democrática. Os governos brasileiro e argentino se articulam para “pular” a vez de Caracas, pelo sistema de rodízio.
Terça-feira passada, Serra visitou de surpresa o Uruguai, que está concluindo seu período à frente do bloco, para propor que a transferência fosse adiada para agosto. Acompanhado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, ele se reuniu com o presidente Tabaré Vázquez e com o chanceler Rodolfo Nin Novoa, que insistiram no “respeito às normas vigentes”.
A Venezuela, que não foi convidada para a reunião de hoje, ingressou oficialmente no Mercosul em 2012 e recebeu um prazo de dois anos para cumprir pré-condições de adesão, período que foi ampliado por mais dois anos e se encerra no próximo mês. Qualquer alteração na rotação da presidência, no entanto, precisa ser acordada entre os cinco governos.
Opção política Argentina e Brasil se preocupam, principalmente, com a repercussão que uma presidência venezuelana pode ter nas negociações comerciais com a União Europeia (UE) e em outros avanços do processo de integração, mas a resistência em entregar o comando do bloco ao governo de Nicolás Maduro é, sobretudo, de ordem política. A movimentação ganhou força depois da mudança de governo na Argentina e o avanço do processo de impeachment contra Dilma Rousseff. “Quando a Venezuela assumiu a presidência do bloco pela primeira vez, em 2013, os países tinham uma simpatia ideológica.
Especialista em Integração da América Latina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Regiani Ressan lembra que o chanceler brasileiro em exercício “tem pouco apreço pelos blocos regionais e deve usar a posição para influenciar mudanças”. Ela considera pouco provável, no entanto, que o impasse sobre a presidência rotativa comprometa o funcionamento do Mercosul. Para o embaixador Botafogo Gonçalves, “o erro básico do Mercosul foi deixar a Venezuela entrar no bloco com plenos direitos”, apesar de não cumprir as pré-condições de adesão. “Acho que a única saída é deixar que assumam por seis meses. Maduro não poderá fazer nada sem o apoio dos demais. Seriam meses gastos, mas não vejo outra saída.”
Ao pé das letras
Estabelecido há 25 anos, o Mercosul tem uma presidência rotativa, chamada pro tempore, exercida por rodízio entre os países-membros, por períodos de um semestre. O critério escolhido foi o da ordem alfabética, que determina a passagem do posto do Uruguai, titular desde o início do ano, para a Venezuela.