Dois bustos raros resgatados da destruição da antiga cidade de Palmira pelo grupo extremista Estado Islâmico (EI) em breve voltarão à Síria, após uma minuciosa restauração na Itália.
Recuperados pelas tropas sírias, eles haviam sido desfigurados com o que parece ter sido golpes de martelo, e são talvez os únicos artefatos desse tipo a saírem do deserto sem ser roubados.
A tecnologia moderna ajudou na restauração, que também é vista como uma homenagem ao arqueólogo sírio Khaled al-Assad, ex-chefe de antiguidades em Palmira, assassinado por combatentes do EI em 2015, aos 82 anos.
"Este é um exemplo de uma questão a qual atribuímos grande importância: a da diplomacia cultural, o fato de que a cultura pode ser um instrumento de diálogo entre as pessoas, mesmo quando as circunstâncias são difíceis", disse na quinta-feira o ministro italiano da Cultura, Dario Franceschini.
Os jihadistas do EI se apoderaram de Palmira em maio de 2015 e começaram a destruir sistematicamente os monumentos e templos da cidade, ao mesmo tempo em que saqueavam seus muitos tesouros arqueológicos.
Eles foram expulsos em março de 2016, mas recuperaram o controle da cidade em dezembro passado.
Embora a data exata da fundação de Palmira seja desconhecida, o nome da cidade é referido em uma tábua que data do século XIX A.C. como um ponto de parada para caravanas entre o Mediterrâneo e o Oriente.
Conhecida pelos sírios como a "Pérola do Deserto", Palmira ostentava templos, becos com colunas e tumbas elaboradamente decoradas que estavam entre os monumentos clássicos mais bem preservados do Oriente Médio, antes da sua destruição.
Centenas de importantes sítios do patrimônio foram saqueados ou destruídos durante o conflito, que já dura cinco anos, incluindo os templos de Bel e Baal-Shamin, do século I, em Palmira.
Os dois bustos funerários, que devem ser devolvidos às autoridades sírias até o final do mês, foram resgatados por soldados do regime quando eles retomaram Palmira.
As esculturas tinham sido seriamente desfiguradas por martelos, disse o ex-prefeito de Roma Francesco Rutelli, que promoveu a restauração através de sua associação "Incontro di Civilta" (encontro de civilizações).
Os bustos "são provavelmente as únicas obras de arte tiradas da zona do conflito sírio que não foram roubadas", disse Franceschini a repórteres durante uma exibição no Instituto Superior de Conservação e Restauração da Itália.
"Batalha ideológica"
Os bustos, de um homem e uma mulher, datam dos séculos II e III e foram levados ao Líbano antes de serem transferidos para Roma, disse Rutelli.
O ex-prefeito também rejeitou os críticos que acusaram os restauradores de trabalharem com o regime do presidente sírio, Bashar al-Assad, enquanto a guerra devasta o país.
"Este gesto não tem nenhum elemento de apoio político da nossa parte. A Itália fez e fará isso para qualquer país que pedir", disse Rutelli, observando que a restauração também foi um tributo ao antigo chefe das antiguidades Khaled al-Assad.
Antes da sua morte, o octogenário "conseguiu esconder centenas de obras de arte, mas não esses dois bustos, que caíram nas mãos do EI", acrescentou.
Uma equipe de cinco especialistas trabalhou nas restaurações durante um mês, focando em particular nos rostos.
Em uma das esculturas, a parte superior do rosto tinha sido destruída, mas a equipe conseguiu recriá-la usando um pó de nylon sintético e uma impressora 3D, uma técnica que nunca tinha sido usada para uma restauração deste tipo.
A nova peça foi anexada ao busto com poderosos ímãs, "o que a torna completamente removível, em linha com o princípio de que todos os trabalhos de restauração devem ser completamente reversíveis", disse Antonio Iaccarino, um dos restauradores.
"O que o Estado Islâmico destruiu, nós reconstruímos", disse. "Através da cultura, também travamos uma batalha ideológica".