Um crime envolvendo requintes de crueldade e fanatismo religioso comoveu e chocou a Nicarágua. Vilma Trujillo García, 25 anos, morreu, na madrugada de ontem, de falência múltipla de órgãos, com queimaduras em 80% do corpo. Uma diaconisa da Assembleia de Deus, na comunidade de El Cortezal — próximo ao município de La Rosita (centro-norte) —, afirmou que recebeu um pedido de Deus para que a mulher fosse “purificada” com fogo, por supostamente estar “endemoniada”. Em 22 de fevereiro passado, o pastor Juan Gregorio Rocha Romero, líder da igreja protestante, celebrou uma espécie de “ritual” macabro. Vilma foi lançada à fogueira e abandonada no barranco de um rio até ser socorrida, nove horas depois.
Em entrevista ao Correio, Miuriel Gutiérrez, ativista de direitos humanos em La Rosita e integrante do grupo AHV Colectivo Gaviota, afirmou que Vilma e o marido, Reynaldo Peralta Rodríguez, planejavam se mudar para outra comunidade. “Reynaldo viajou até lá e ficaria fora por 15 dias, para construir a casa onde morariam com os filhos, um menino de 5 anos e uma menina de 1. Vilma adoeceu, tinha crises de choro e desmaiava”, contou. A família buscou a ajuda de Juan Gregorio. “Esse pastor começou a orar por ela. A mulher melhorou, levantou-se e aparentava tranquilidade. Mas o pastor disse que teriam de rezar mais e a levou até a igreja, onde ficou por oito dias trancada”, acrescentou.
Detalhes
Fiéis da Assembleia de Deus relataram à irmã de Vilma que o pastor instruiu-lhes a realizar o ritual de exorcismo. A adolescente foi a primeira familiar a chegar ao local do assassinato. “Juan Gregorio disse que se o demônio não saísse do corpo antes do nascer do sol, Vilma teria de ser queimada. Eles oraram por ela das 4h até pouco antes das 6h, quando foi despida, amarrada e jogada à fogueira. A irmã nos contou que Vilma saiu sozinha do fogo e rolou no chão, sem que ninguém a ajudasse”, comentou Miuriel. A ativista revelou que a mulher foi abandonada no barranco, sob o argumento de que morreria e “ressuscitaria”, curada.
A vice-presidente da Nicarágua, Rosaria Murillo, prometeu justiça. “É realmente lamentável e condenável, um crime que reflete uma situação de atraso; estamos pendentes da apresentação que farão às autoridades pertinentes nossos irmãos da Polícia Nacional daquelas pessoas que participaram dessa tragédia, que culminou com a morte de Vilma Trujllo”, declarou, segundo 100% Noticias. “Isso é algo que não pode e não deve se repetir”, destacou Murillo.
Juanita Jiménez, dirigente do Movimento Autónomo de Mujeres (MAM), disse ao jornal La Prensa, de Manágua, que a morte de Vilma é resultado do fanatismo e da misoginia, mas também foi agravada pelo desamparo do Estado a algumas regiões extremamente carentes da Nicarágua. “Independentemente da religiosidade, nada justifica um ato de crueldade como queimar uma mulher e colocá-la na fogueira, e com a participação de outras pessoas na manipulação religiosa. Houve uma tentativa de feminicídio, pois toda a intencionalidade é de provocar dano.”
O bispo auxiliar da Arquidiocese de Nicarágua, Silvio José Baéz, comentou o crime por meio de seu perfil no Twitter. “Sinto muito pela morte de Vilma Trujillo, motivada pelo fanatismo e pela ignorância religiosa. Não se pode destruir uma vida em nome de Deus!”, alertou. “A religião autêntica, na qual se adora o Deus verdadeiro, não anula a razão nem atenta contra a vida humana.” O corpo de Vilma Trujillo foi transferido para La Rosita ontem, onde será sepultado.
Eu acho...
“Nós relacionamos esse crime à inquisição e repudiamos o fato. Todos nós queremos que a Justiça castigue essas pessoas.
A população de La Rosita exige justiça. Estamos atendendo à família de Vilma, para que possa fazer as diligências necessárias ante a polícia. Os parentes de Vilma estão sendo ameaçados de morte por outros fanáticos mal denominados de ‘irmãos’.”
Miuriel Gutiérrez, ativista de direitos humanos em La Rosita