Quando o prefeito evangélico do Rio Marcelo Crivella anunciou que cortaria pela metade a subvenção aos desfiles de Carnaval, as escolas de samba entraram em pânico. Mas a Mangueira, uma das mais tradicionais, assumiu essa "guerra" como um desafio e já prepara o seu ataque.
"Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco!" é o título do enredo que a escola escolheu para desfilar em fevereiro de 2018 no Sambódromo, uma alfinetada a Crivella e à sua animosidade cada vez mais evidente em relação ao carnaval.
Mas a batalha vai além disso.
"A arma não está apontada apenas para o prefeito. Está apontada para um pensamento de desfile e de administração de Avenida que exclui, que se distancia, que não olha o carnaval como cultura e que olha o carnaval como comércio", diz o carnavalesco da Mangueira, Leandro Vieira.
Com desfiles cada vez mais grandiloquentes e ostentosos, o Carnaval que as 12 maiores escolas de samba protagonizam desde 1984 na Sapucaí se tornou um negócio milionário, cheio de câmeras de televisão e salas VIP.
No ano passado, cada escola recebeu seis milhões de reais entre subsídios e direitos de TV, tendo sido um terço desse valor concedido pela Prefeitura. Além disso, dependem de patrocínios e doações generosas do ilegal jogo do bicho.
Logo depois de assumir o cargo, Crivella se negou a entregar as chaves da cidade ao Rei Momo e evitou participar de qualquer ato do carnaval passado. Recentemente anunciou que para o primeiro carnaval sob seu governo só entregará metade dos mais de 24 milhões de reais às escolas e destinará o resto a creches.
Em um contexto de grave crise econômica, a medida foi aplaudida por muitos mas criticada por outros, que consideram que o prefeito não só atacou uma das maiores atrações turísticas da cidade - que gera cerca de um bilhão de dólares -, mas também demonstrou não entender o contexto cultural e a tradição que o carnaval implica.
"Os evangélicos dizem que o carnaval é uma festa do 'demo', da carne, mas Deus não proibiu ninguém de se divertir. Eu vou à missa todos os domingos, falo com Deus e estou aqui, desde os meus 12 anos, brincando carnaval", disse à AFP Rody da Mangueira, de 73 anos, da Velha Guarda da escola.
- Voltar à essência -
Consciente de que "o maior show da Terra" se afastou há algum tempo do povo e das suas origens e cedeu espaço aos blocos de rua, Leandro Vieira viu uma oportunidade na redução do orçamento anunciada pelo ex-bispo da Igreja Universal do Reino de Deus.
A Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa) chegou a ameaçar suspender os desfiles mas, enquanto negocia com Crivella, a máquina do carnaval já começou a funcionar. Agora, é o período de eleger os enredos e compor os sambas.
Esta semana, em um centro esportivo da Mangueira, o carnavalesco mais jovem do Sambódromo, de 34 anos, tentou transmitir ao conjunto de compositores a mensagem que eles devem passar com o enredo "Com dinheiro ou sem dinheiro, eu brinco!".
Vieira explicou que pegou esse refrão de uma marchinha de 1944 para demostrar que o carnaval da Sapucaí tem que se reinventar, reivindicar seu caráter irreverente e buscar "novas fórmulas" para voltar à sua essência, à época em que as pessoas desciam das favelas com fantasias improvisadas e alpargatas para "brincar" com alegria essa festa, desfilando pelas ruas.
Quando terminou de falar, Vieira foi aplaudido de pé.
"Sabe aquela coisa que você tem que tomar um tapa para acordar? Eu acho que é isso que foi feito com o carnaval, e acho que o carnaval vai acordar", disse entusiasmado Igor Leal, um dos compositores do samba-enredo de 2017.
E como a Mangueira pretende colocar em prática essa ideia?
Vieira não quis dar detalhes, mas este ano já demonstrou criatividade e provocação com seu desfile sobre diversidade religiosa, onde muitas das plumas das fantasias eram feitas de plástico.
É uma aposta arriscada se nenhuma outra escola o acompanhar, ante um jurado que premia a suntuosidade, mas pode ser uma lição para que se entenda o que é realmente o carnaval: a vida para milhares de pessoas no Rio.
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