A técnica inovadora que recebeu o Prêmio Nobel de Química nesta quarta-feira permitiu que cientistas produzissem imagens extremamente detalhadas das menores estruturas das células usando temperaturas muito baixas.
O que é a microscopia crio-eletrônica?
- A técnica -
Os cientistas resfriam cuidadosamente amostras preparadas de tecido ou células a temperaturas de cerca de 200 graus Celsius negativos, às vezes menos.
Isso se aproxima da temperatura nos vastos abismos entre as estrelas e galáxias no espaço, que rotineiramente cai para menos 270 graus Celsius.
Um dos objetivos das amostras congeladas é interromper a atividade das moléculas dentro delas para que os pesquisadores possam tirar instantâneos menos borrados.
"Assim como nos velhos tempos, quando as pessoas diziam 'sorria' e todos tinham que ficar imóveis (para uma foto)... essencialmente, isso é o que estamos fazendo ao esfriar as coisas", disse à AFP Andrea Sella, professora de química do University College London.
Os cientistas então disparam elétrons na amostra congelada para iluminá-la e revelar seus detalhes em nível atômico.
A técnica, abreviada como crio-ME, é considerada um grande avanço na cristalografia de raios X, uma ferramenta crucial para determinar a estrutura de moléculas.
Isso permitiu aos cientistas capturarem a primeira imagem do DNA.
"Cristalizar as proteínas é muito difícil e você não pode fazer isso com todas", disse Sjors Scheres, do Medical Research Council Laboratory of Molecular Biology em Cambridge, Inglaterra.
Além disso, a cristalografia exige que os cientistas removam as moléculas de uma célula, alterando assim seu estado natural.
A crio-ME, por outro lado, congela uma molécula no tempo e no espaço.
A microscopia crio-eletrônica "realmente te dá uma imagem minuciosamente detalhada do interior da maquinaria do nosso mundo, sejam materiais ou células", disse Sella.
- Os usos -
Imagens dos mínimos detalhes de células e seu maquinário fornecem aos cientistas as ferramentas para entender os blocos de construção da vida.
Ver as estruturas de uma célula, como elas estão ligadas e trabalham juntas, tem implicações importantes para tratar e prevenir doenças que vão do Alzheimer ao Zika.
No caso do mal de Alzheimer, a crio-ME revelou a estrutura de uma enzima chamada secretase, que produz uma substância que os cientistas acreditam que contribui para a demência.
"É como um mapa", disse John Hardy, professor de biologia molecular da University College London, referindo-se a imagens produzidas por microscopia crio-eletrônica.
"Você quer saber para onde direcionar suas bombas... isso nos dá exatamente a estrutura, então sabemos exatamente o que precisamos atacar", acrescentou.
O Comitê Nobel de Química observou que a técnica ajudou a preencher revistas científicas com "imagens de tudo, desde proteínas que causam resistência a antibióticos à superfície do vírus Zika".
A crio-ME também tem o potencial de capturar momentos-chave na vida de uma célula, como quando esta é atacada por um vírus, fornecendo indícios inestimáveis sobre como as infecções invadem organismos.
Os cientistas estão esperançosos de que as descobertas mais importantes com a crio-ME ainda estão por vir.
"Nada vai mudar para o homem comum amanhã, mas para seus filhos isso com sorte terá levado a uma série de novas curas", disse Scheres.
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