Um ano e meio depois dos "Panama Papers", que revelaram mecanismos fraudulentos de evasão fiscal, os "Paradise Papers" ressaltam as estratégias de otimização para evitar os impostos, mas que não são necessariamente ilegais.
O que os "Paradise Papers" mostram?
Este novo trabalho do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ), que agrupa 96 meios de comunicação de 67 países, se baseia no vazamento de 13,5 milhões de documentos, procedentes principalmente de um escritório internacional de advogados com sede nas Bermudas, Appleby. Detalha os dispositivos e os circuitos de otimização fiscal que permitem a particulares com fortunas e às empresas não pagar impostos.
Entre os nomes citados no relatório aparecem o da rainha Elizabeth II, do secretário de Comércio dos Estados Unidos, Wilbur Ross, do ministro da Fazenda Henrique Meirelles, e o de multinacionais como Apple e Nike.
Enquanto os "Panama Papers" se concentravam nos dispositivos ilegais, esta investigação aponta "os contribuintes ricos e as empresas" que recorrem a "diferentes paraísos fiscais para evitar de forma industrial (pagar) os impostos", destaca Lison Rehbinder, responsável de Financiamento ao Desenvolvimento na associação francesa CCFD-Terre Solidaire.
Que mecanismos são utilizados?
Nesses documentos, o uso de "empresas offshore" aparece em várias ocasiões. Tratam-se de empresas registradas no exterior mas, que diferentemente de filiais internacionais de sociedades, não exercem nenhuma atividade econômica no país onde estão domiciliadas.
A utilização de estruturas intermediárias, como os "trusts" (que permitem delegar a gestão de seus ativos a uma pessoa de confiança) ou a empresas de fachada (que escondem a identidade do verdadeiro beneficiário) aparece de forma quase sistemática.
O ponto comum dessas estruturas é a falta de transparência, afirma Lucas Chancel, diretor do Laboratório de Desigualdades Mundiais da Paris School of Economics (PSE), que fala de organizações "em cascata", com mecanismos "extremadamente complexos e sofisticados".
São circuitos que privam os cofres públicos de montantes colossais: segundo os cálculos feitos para ICIJ pelo economista Gabriel Zucman, professor da Universidade de Berkeley na Califórnia, a evasão fiscal das empresas e das grandes fortunas do mundo representaria cerca de 350 bilhões de euros de perdas fiscais por ano a todos os países do mundo.
É ilegal?
"Nos encontramos claramente no terreno da decisão jurídica", assegura Lucas Chancel, que considera que os fatos descritos nos "Paradise Papers" mostram sobretudo estratégias de "otimização fiscal", situadas em zonas cinzentas do direito internacional.
Todo mundo, entretanto, tem o direito de criar uma empresa offshore, bastando a declaração dos lucros. Normalmente esse tipo de sociedade é criada em Estados com uma tributação baixa, conhecidos como "paraísos fiscais".
"Os Panama Papers eram o escândalo da ilegalidade", explica Pascal Saint-Amans, diretor do Centro de Política e Administração Fiscais da OCDE, interrogado pela emissora France Inter. Com os "Paradise Papers", "estamos um pouco mais refinados, mais elaborados, com esquemas legais".
Como se combate este fenômeno?
Desde a crise financeira de 2008, foram implementadas várias iniciativas, algumas delas sob os auspícios da OCDE: no final de setembro, por exemplo, 50 países começaram a trocar automaticamente dados fiscais de seus residentes.
Para Lucas Chancel, a solução ainda está "longe". "O intercâmbio de informação vai contra os interesses de um número de atores", explica. "Só se pode fazer isso de forma eficaz se houver uma autêntica pressão".
As ONGs pressionam os governos para que tomem medidas, enquanto na imprensa vão aparecendo revelações como "Offshore Leaks", "Lux Leaks" e "Malta Files".
"A partir de agora, precisam tomar medidas para atuar, estabelecendo uma lista negra de paraísos fiscais e impondo transparência para saber de forma nítida se as empresas e as grandes sociedades pagam os impostos que lhes correspondem, estimou em um comunicado Manon Aubry, porta-voz da Oxfam França.
Para Lison Rehbinder, da CCFD, as multinacionais têm que publicar seus dados financeiros país por país, uma medida censurada pelo Conselho Constitucional ao final de 2016. Também pede que lutem contra a "concorrência fiscal" entre os Estados.
"Isso alimenta um jogo extremamente perigoso onde a fronteira entre o que é um paraíso fiscal e o que não é fica cada vez mais difusa", declarou.