Em seu terceiro aniversário, a morte de Alberto Nisman, o procurador que envolveu a ex-presidente Cristina Kirchner na investigação do atentado contra a Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), o mais violento da história da Argentina, com 85 mortos, ainda divide o país.
Nisman, de 51 anos, foi encontrado morto em 18 de janeiro de 2015 no banheiro de seu apartamento em Buenos Aires. Tinha um disparo na têmpora e uma arma de fogo Bersa calibre 22 ao seu lado.
Quatro dias antes, ele havia pedido para interrogar Cristina Kirchner e seu chanceler na época, Héctor Timerman, pela assinatura de um memorando de entendimento com o Irã que, segundo o procurador, serviu para acobertar os responsáveis pelo atentado contra a AMIA, e deveria comparecer a uma comissão parlamentar para argumentar sua denúncia.
Sua morte causou comoção na sociedade argentina. No dia seguinte, milhares de pessoas participaram de uma manifestação na rua para pedir justiça. As mobilizações se repetiram constantemente nos primeiros meses. Mas ainda não se esclareceu o que houve.
No fim de 2017, pela primeira vez um juiz federal considerou que a morte de Nisman "não se enquadrou em um suicídio". Em sua resolução, o magistrado Julián Ercolini processou, entre outros, o ex-assessor de informática do procurador e dono da Bersa calibre 22, Diego Lagomarsino, como suposto "partícipe necessário do crime de homicídio".
Para Waldo Wolff, deputado nacional do partido governista PRO e ex-vice-presidente da Delegação de Associações Israelitas Argentinas (DAIA), não há dúvidas. "Eu considero, em função das provas que li, que mataram Nisman", disse à AFP.
Sergio Burstein, ex-dirigente da organização Familiares e Amigos das Vítimas da AMIA, também tem certezas, mas contrárias.
"A Justiça argentina está empenhada em assassinar um suicida", afirmou à AFP.
Sua ex-mulher e mãe dos dois filhos mais velhos, Rita Worona, estava entre as vítimas do atentado de 18 de julho de 1994 contra a associação judaica.
- A tese do suicídio -
"Ou foi um suicídio porque a investigação de Nisman carecia de evidências judiciais e seus aliados o deixaram só. Ou foi um assassinato porque um complô entre alguns funcionários e forças de segurança quis silenciá-lo", resumiu à AFP Damián Fernández Pedemonte, diretor da Escola de Pós-graduação da Universidade Austral.
Desde o começo, a morte do procurador originou duas narrativas. As perícias também foram duas e os resultados, contraditórios. Ou o procurador estava sozinho e se matou em frente ao espelho ou dois pistoleiros entraram em sua casa, o renderam e drogaram antes de executá-lo.
"A morte de Nisman está recheada de mistérios, que propiciam a construção de um relato ficcional que avança onde a ação judicial não [o faz]", afirmou Fernández Pedemonte.
O memorando de entendimento com o Irã foi assinado em 2013 pelo Poder Executivo e aprovado pelo Congresso argentino para, segundo o governo, destravar o caso AMIA. Mas para o procurador, o pacto buscava na realidade garantir a impunidade dos iranianos acusados do atentado, em troca de intercâmbios comerciais.
Pela denúncia de Nisman pelo acordo com o Irã, em dezembro de 2017, o juiz federal Claudio Bonadio processou Cristina Kirchner e Timerman.
O foro privilegiado da ex-presidente, hoje senadora, impede que seja presa. Timerman, no entanto, cumpriu prisão domiciliar preventiva, mas na semana passada foi posto em liberdade, devido a seu grave estado de saúde, abalada por um câncer.
O processo sobre a tese do homicídio deve se definir em fevereiro, quando a Câmara federal confirmar ou descartar a resolução do juiz Ercolini.
Mas por enquanto, três anos depois, esta morte continua dividindo a Argentina, onde os seguidores de Kirchner e os do presidente Mauricio Macri "usaram politicamente o caso Nisman", segundo Fernández Pedemonte.