Basta colocar os pés na cidade universitária de Berkeley, e a pessoa já topa com um grupo de jovens que marcham gritando uma variedade de palavras de ordem.
A cultura de protesto está profundamente arraigada nessa famosa cidade universitária do outro lado da baía de San Francisco, onde nasceu um movimento pela liberdade de expressão nos anos 1960 que deixou um legado de ativismo.
Diante da política anti-imigração de Donald Trump desde sua chegada à Casa Branca há um ano, Berkeley - "a rebelde" - resiste e promete proteger seus moradores em situação ilegal.
Essa localidade se transformou na primeira "cidade-santuário" do país, quando, já em 1971, "protegeu os que não queriam ir lutar no Vietnã", conta à AFP o prefeito Jesse Arreguin.
Berkeley reafirmou esse status durante as guerras na América Central na década de 1980 e volta a fazer isso diante da intenção do governo Trump de construir um muro na fronteira com o México e de anular o programa que protege os "dreamers" - como são conhecidos os imigrantes que chegaram aos EUA ainda crianças em condição clandestina.
"É essencial que as cidades se posicionem contra as políticas injustas do presidente Trump", diz Arreguin, de 33 anos, filho de agricultores de origem latina.
"Nenhum policial, ou funcionário público, participa de uma investigação, ou de uma intervenção policial" do Serviço de Imigração e Controle de Aduanas (ICE, na sigla em inglês), garante o prefeito.
"Não damos nenhuma informação, nem acesso aos prédios da prefeitura, a menos que haja um mandado judicial", completa.
A Polícia local tampouco pergunta o status migratório dos cidadãos que fazem uma denúncia, ou que testemunham em uma investigação criminal. Além disso, qualquer estudante pode se matricular na universidade sem importar se tem, ou não, os documentos em dia.
A Prefeitura criou um grupo de trabalho que reúne líderes religiosos, militantes e juristas, entre outros, para coordenar recursos e medidas a tomar diante da ameaça de batidas policiais. Nenhuma foi registrada até o momento.
- 'Tem mais medo hoje' -
Berkeley não está sozinha. A Califórnia se declarou "estado-santuário" e financia associações que ajudam e protegem imigrantes.
Outras 400 cidades, ou condados, somaram-se a essa lista em todo país, como Nova York, Chicago, San Francisco e Oakland, em um claro desafio à administração Trump.
Enquanto isso, o governo ameaça cortar os recursos federais para as "cidades-santuário".
As batidas proliferam no sul da Califórnia, sobretudo, em Los Angeles, embora detenções e expulsões de imigrantes em condição clandestina não sejam uma novidade: bateram recorde na presidência de Barack Obama (2009-2017).
"A diferença é que Trump usa a imprensa para espalhar o medo, enquanto Obama fez coisas de boca fechada", lembra Manuel de Paz, coordenador do centro de ajuda a imigrantes East Bay Covenant.
Valeria Suárez, uma estudante em situação irregular, reconhece que "tem cada vez mais medo" em sua "comunidade".
O prefeito Arreguin ressalta que os crimes racistas aumentaram em Berkeley. Ainda que as expulsões tenham caído ligeiramente no primeiro ano de Trump na Casa Branca, o número de residentes com famílias detidos pelo ICE aumentou.
- O pesadelo de ser detido -
"Todos os dias, acordo com medo de que agentes do ICE venham prender minha família", confessa Juan Pietro, um estudante em situação ilegal que vive em Berkeley.
Nesse clima de tensão, "é muito importante para os 'sem-documento' que seus representantes locais os apoiem", destaca Eleni Wolfe-Roubatis, da associação de ajuda Centro Legal de la Raza.
"Antes, muita gente vinha me ver para dizer que seus familiares foram presos pelo xerife e enviados para o ICE" por não terem papéis, explica Manuel de Paz.
"Não escuto tanto isso desde que a Califórnia se tornou um 'estado-santuário'", completa.
Valeria Suárez lembra, porém, que "Berkeley não é uma cidade economicamente acessível, o que significa que nossos familiares (...) vivem em outras zonas da região que não são cidades-santuário".
Em Richmond, não muito distante da cidade universitária, há "um centro de detenção, no qual membros da nossa comunidade estão detidos", conta Juan Prieto.
O estudante de Berkeley Luis Mora foi detido há pouco em San Diego, onde estava de férias. Nem a prefeitura, nem a universidade conseguiram interceder para que fosse solto.