Jornal Estado de Minas

Conheça a história dos jovens imigrantes que paralisaram o governo de Donald Trump


Washington –
Lucas Codognolla, de 27 anos, chegou aos Estados Unidos com 9 anos, junto com a irmã e os pais, todos com visto de turista. Saíram de Poços de Caldas, no Sul de Minas, para viver como clandestinos em Connectticut, alimentando o “sonho americano”. Criado longe do Brasil, fala português como um estrangeiro. Só foi entender, porém, que era ilegal nos EUA quando, adolescente, não conseguiu tirar carteira de motorista nem apoio do governo para fazer faculdade. “Não tinha os papéis”, diz. Agora, Lucas teme ser mandado de volta, sozinho, para o Brasil. Assim como ele, cerca de 690 mil jovens imigrantes – sendo 5.780 brasileiros –, segundo o Instituto de Políticas Migratórias (MPI, na sigla em inglês), estão com o futuro indefinido.

Conhecidos como “The Dreamers”, ou Os Sonhadores, eles vivem desde criança ou adolescente de forma irregular nos EUA e estão em meio a uma das principais brigas judiciais e políticas travadas pelo presidente Donald Trump em seu primeiro ano de governo. Em setembro, Trump cancelou o programa Ação Diferida para Chegadas na Infância (Daca, na sigla em inglês) e deu março como o prazo para a deportação.

O Daca dá legalidade temporária a filhos de imigrantes ilegais que vivem desde criança ou adolescente nos EUA.

Em janeiro, a revogação do programa, criado em 2012 pelo ex-presidente democrata Barack Obama, foi suspensa por um juiz de São Francisco, dando alívio provisório aos dreamers. A questão foi parar no Congresso, ainda sem acordo entre republicanos e democratas. “Crescemos como um americano. Tem imigrante que nem sabe a língua do país de origem. Voltei ao Brasil no ano passado e foi um choque cultural”, conta Codognolla, que se tornou militante da luta e atualmente é vice-presidente do United We Dream, organização nacional em defesa desses jovens.

Os dreamers representam 6,2% da população de 11 milhões de imigrantes sem documentos. O republicano Donald Trump tenta incluir a questão do Daca e da construção de um muro na fronteira com o México dentro da aprovação do Orçamento da União, que se arrasta no Congresso.

Diante do impasse sobre medida que resolva a situação do grupo de imigrantes ilegais, o Senado acabou por rejeitar a proposta de estender o financiamento à administração de Trump, que elevava o teto do endividamento até 16 de fevereiro. E mais, provocou uma paralisação do governo federal.
Mesmo assim, os senadores continuam negociando no plenário da Casa para tentar aprovar algum projeto que garanta o funcionamento do governo nos próximos dias. O projeto para extensão do financiamento precisava de ao menos 60 votos para ser aprovado, mas o placar final foi de 50 votos a favor e 49 contra. A paralisação teve início à meia-noite de sexta-feira. Os democratas veem a votação da autorização de gastos do governo como um de seus únicos trunfos na negociação da legislação sobre o Daca.

SEM PERSPECTIVA

“O que vai ser do futuro? Posso planejar estudos? Trabalhos? É o que está ocorrendo com os dreamers agora. As pessoas estão incrivelmente vulneráveis”, afirma a diretora de Políticas de Imigração da União Americana de Liberdades Civis, Lorella Praeli. A expectativa é encontrar uma solução permanente para os jovens sonhadores.

Também na luta por regularidade está a goiana Thalita Pontes, de 26, que mora em Columbus, capital de Ohio. Nos anos 2000, ela chegou aos EUA com a família, todos como turistas. O pai largou a carreira na Aeronáutica para tentar a sorte na terra do Tio Sam.
“Viemos menores de idade. Não tivemos outra opção. Hoje, os Daca estão em um limbo”, afirma. Solteira, mãe da americana Havilah, de 3, Thalita criou raiz nos EUA.

“Aqui tenho minhas coisas, minhas dívidas. No futuro, tem como a minha filha passar a cidadania para mim, o que pode ser um caminho para a permanência”, afirma. Por causa da proteção temporária, ela trabalha num escritório de imigração e sonha regularizar sua situação. “Sem o Daca, a opção são trabalhos pesados, como limpeza e construção. O meu desejo é que o Senado e a Câmara entrem num acordo para um Daca permanente”, diz.

Diferentemente da maior parte dos dreamers, críticos à política de Trump, Thalita trata o assunto com ponderação e apoia o presidente. “Por morar no país há muitos anos, compreendo os dois lados da moeda. Entendo que o que meu pai fez foi errado e tem as consequências”, diz.
“Ele (Trump) é o único presidente que realizou várias coisas que tinha prometido na campanha. Minha nota para ele é 10”, afirma, citando índices econômicos.

Os 10 países com maior número de dreamers

México................................548 mil
El Salvador...........................25.900
Honduras.............................16.100
Guatemala...........................17.700
Brasil....................................5.780
Peru.....................................7.420
Equador................................5.460
Jamaica................................2.640
Venezuela.............................2.480
Costa Rica.............................1.620
Total................................689.800

Fonte: MPI

* A repórter é um dos nove participantes do programa “Cobertura da Presidência dos Estados Unidos 2018”, organizado pelo International Center for Journalists (ICF) e promovido pela embaixada dos EUA. Também integram o grupo jornalistas de Gana, Paquistão, Quênia, Reino Unido e Uruguai.

Depoimento

Kátia Souza**
24 anos

A saga de uma jovem imigrante

“Meu pai já morava aqui, veio ilegal pelo México e tinha cinco anos que não o via. Quando tinha 12 anos, eu e minha mãe saímos de Santa Catarina e viemos por Bahamas, com um coiote (pessoas especializadas em fazer a travessia ilegal). Pegamos um avião muito pequeno e depois uma lancha. Enfrentamos ondas altas por causa de um furacão e o coiote disse que iríamos morrer. Foi muito traumático. Desde cedo, ajudei minha mãe a limpar casas, principalmente depois que meus pais se separaram. A parte mais difícil de ser ilegal foi depois da High School (colégio). Aí me deparei com a realidade, que era uma imigrante e que não tinha os mesmos direitos.
Não dava para estudar nem para tirar carteira. Sentia-me muito inferior aos meus amigos. Meus planos são aqui e o DACA foi mais um passo para o sonho de ser cidadã. Consegui visitar o Brasil uma vez e percebi que perdi a intimidade com meus parentes. Alguns faleceram, se casaram ou se mudaram. Virei uma pessoa que mora fora para eles. Os EUA é o meu lugar.”

** A entrevistada pediu para usar nome fictício para preservar sua mãe,
que continua ilegal

Três perguntas para...

Lucas Codognolla, 27 anos

Mineiro de Poços de Caldas lidera a luta contra
deportação de jovens imigrantes nos EUA


Aos 9 anos, o imigrante brasileiro entrou com os pais de forma ilegal nos EUA. Hoje, militante da causa, ele é vice-presidente da United We Dream e diretor da CT Students for a Dream

Como os jovens imigrantes têm vivido no último ano?
O medo da deportação foi se multiplicando depois do (Donald) Trump. A comunidade de imigrantes está muito ansiosa. Estou vivendo com muito medo, por causa das coisas ridículas que saem da Casa Branca. Mas também estamos vendo muitos americanos apoiando os imigrantes, lutando por nós. O Trump quer incluir o DACA e o muro na fronteira em qualquer lei votada em Washington. Queremos um DACA limpo.

Quais são seus planos para o futuro?
Para ver como esse sistema de imigração é quebrado, meus pais e meus irmãos conseguiram a cidadania. Por causa da minha idade, não pude conseguir e só tenho o DACA. Sem o DACA, não sei o que vou fazer da minha vida, como vou ter um emprego.

E se tiver que voltar para o Brasil?
Crescemos como um americano. Voltei ao Brasil somente no ano passado. Foi um choque cultural. Será muito difícil se tiver que morar lá. Teria o apoio dos meus parentes, mas ficaria muito limitado. Quero contribuir com os EUA..