Washington – Lucas Codognolla, de 27 anos, chegou aos Estados Unidos com 9 anos, junto com a irmã e os pais, todos com visto de turista. Saíram de Poços de Caldas, no Sul de Minas, para viver como clandestinos em Connectticut, alimentando o “sonho americano”. Criado longe do Brasil, fala português como um estrangeiro. Só foi entender, porém, que era ilegal nos EUA quando, adolescente, não conseguiu tirar carteira de motorista nem apoio do governo para fazer faculdade. “Não tinha os papéis”, diz. Agora, Lucas teme ser mandado de volta, sozinho, para o Brasil. Assim como ele, cerca de 690 mil jovens imigrantes – sendo 5.780 brasileiros –, segundo o Instituto de Políticas Migratórias (MPI, na sigla em inglês), estão com o futuro indefinido.
Conhecidos como “The Dreamers”, ou Os Sonhadores, eles vivem desde criança ou adolescente de forma irregular nos EUA e estão em meio a uma das principais brigas judiciais e políticas travadas pelo presidente Donald Trump em seu primeiro ano de governo. Em setembro, Trump cancelou o programa Ação Diferida para Chegadas na Infância (Daca, na sigla em inglês) e deu março como o prazo para a deportação.
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Controverso, Trump dividiu os EUA e tem 54,5% de reprovaçãoUm ano depois de eleito, Trump age como em campanha e promessas continuam no papelDeportação de brasileiros cresceu 29% com o governo Donald TrumpOs dreamers representam 6,2% da população de 11 milhões de imigrantes sem documentos. O republicano Donald Trump tenta incluir a questão do Daca e da construção de um muro na fronteira com o México dentro da aprovação do Orçamento da União, que se arrasta no Congresso.
Diante do impasse sobre medida que resolva a situação do grupo de imigrantes ilegais, o Senado acabou por rejeitar a proposta de estender o financiamento à administração de Trump, que elevava o teto do endividamento até 16 de fevereiro. E mais, provocou uma paralisação do governo federal.
SEM PERSPECTIVA
“O que vai ser do futuro? Posso planejar estudos? Trabalhos? É o que está ocorrendo com os dreamers agora. As pessoas estão incrivelmente vulneráveis”, afirma a diretora de Políticas de Imigração da União Americana de Liberdades Civis, Lorella Praeli. A expectativa é encontrar uma solução permanente para os jovens sonhadores.
Também na luta por regularidade está a goiana Thalita Pontes, de 26, que mora em Columbus, capital de Ohio. Nos anos 2000, ela chegou aos EUA com a família, todos como turistas. O pai largou a carreira na Aeronáutica para tentar a sorte na terra do Tio Sam.
“Aqui tenho minhas coisas, minhas dívidas. No futuro, tem como a minha filha passar a cidadania para mim, o que pode ser um caminho para a permanência”, afirma. Por causa da proteção temporária, ela trabalha num escritório de imigração e sonha regularizar sua situação. “Sem o Daca, a opção são trabalhos pesados, como limpeza e construção. O meu desejo é que o Senado e a Câmara entrem num acordo para um Daca permanente”, diz.
Diferentemente da maior parte dos dreamers, críticos à política de Trump, Thalita trata o assunto com ponderação e apoia o presidente. “Por morar no país há muitos anos, compreendo os dois lados da moeda. Entendo que o que meu pai fez foi errado e tem as consequências”, diz.
Os 10 países com maior número de dreamers
México................................548 mil
El Salvador...........................25.900
Honduras.............................16.100
Guatemala...........................17.700
Brasil....................................5.780
Peru.....................................7.420
Equador................................5.460
Jamaica................................2.640
Venezuela.............................2.480
Costa Rica.............................1.620
Total................................689.800
Fonte: MPI
* A repórter é um dos nove participantes do programa “Cobertura da Presidência dos Estados Unidos 2018”, organizado pelo International Center for Journalists (ICF) e promovido pela embaixada dos EUA. Também integram o grupo jornalistas de Gana, Paquistão, Quênia, Reino Unido e Uruguai.
Depoimento
Kátia Souza**
24 anos
A saga de uma jovem imigrante
“Meu pai já morava aqui, veio ilegal pelo México e tinha cinco anos que não o via. Quando tinha 12 anos, eu e minha mãe saímos de Santa Catarina e viemos por Bahamas, com um coiote (pessoas especializadas em fazer a travessia ilegal). Pegamos um avião muito pequeno e depois uma lancha. Enfrentamos ondas altas por causa de um furacão e o coiote disse que iríamos morrer. Foi muito traumático. Desde cedo, ajudei minha mãe a limpar casas, principalmente depois que meus pais se separaram. A parte mais difícil de ser ilegal foi depois da High School (colégio). Aí me deparei com a realidade, que era uma imigrante e que não tinha os mesmos direitos.
** A entrevistada pediu para usar nome fictício para preservar sua mãe,
que continua ilegal
Três perguntas para...
Lucas Codognolla, 27 anos
Mineiro de Poços de Caldas lidera a luta contra
deportação de jovens imigrantes nos EUA
Aos 9 anos, o imigrante brasileiro entrou com os pais de forma ilegal nos EUA. Hoje, militante da causa, ele é vice-presidente da United We Dream e diretor da CT Students for a Dream
Como os jovens imigrantes têm vivido no último ano?
O medo da deportação foi se multiplicando depois do (Donald) Trump. A comunidade de imigrantes está muito ansiosa. Estou vivendo com muito medo, por causa das coisas ridículas que saem da Casa Branca. Mas também estamos vendo muitos americanos apoiando os imigrantes, lutando por nós. O Trump quer incluir o DACA e o muro na fronteira em qualquer lei votada em Washington. Queremos um DACA limpo.
Quais são seus planos para o futuro?
Para ver como esse sistema de imigração é quebrado, meus pais e meus irmãos conseguiram a cidadania. Por causa da minha idade, não pude conseguir e só tenho o DACA. Sem o DACA, não sei o que vou fazer da minha vida, como vou ter um emprego.
E se tiver que voltar para o Brasil?
Crescemos como um americano. Voltei ao Brasil somente no ano passado. Foi um choque cultural. Será muito difícil se tiver que morar lá. Teria o apoio dos meus parentes, mas ficaria muito limitado. Quero contribuir com os EUA..