Pelo menos 14 pessoas morreram, entre civis e membros das forças do governo, na violenta incursão de tropas antimotins e paramilitares em Diriamba e Jinotepe, no sudoeste da Nicarágua, em um agravamento da violência que amaça o diálogo entre o governo e a oposição, um dia depois de o presidente Daniel Ortega descartar a antecipação das eleições.
"Foi um horror. Temos, no mínimo, 14 mortos, mas podem ser mais. Incluem-se pelo menos um antimotim, um paramilitar e dois policiais", disse à AFP a presidente do Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh), Vilma Núñez.
Homens à paisana, com gorros pretos e fortemente armados, entraram com a Polícia às seis da manhã em Jinotepe e Diriamba, no departamento (estado) de Carazo, derrubando barricadas que tinham sido erguidas pelos opositores, provocando uma forte troca de tiros, denunciaram testemunhas e grupos de direitos humanos.
Diante do aprofundamento da violência, que já deixou 240 mortos em quase três meses de protestos contra o governo, a Conferência Episcopal anunciou que avalia "seriamente a continuação no diálogo", no qual é mediadora.
"Não podemos continuar nos sentando com os representantes de um governo que mente, que não aceita sua responsabilidade e continua atacando e massacrando a população", disse o bispo auxiliar de Manágua, Silvio Báez, na homilia da missa deste domingo.
- "Ataque desmedido" -
As incursões em Diriamba, a 45 km de Manágua, e Jinotepe, a 40 km, também deixaram dezenas de feridos e uns 20 detidos. Os hospitais das duas localidades estavam cercados por paramilitares e antimotins, segundo grupos humanitários locais.
Uma dezena de pessoas se resguarda na Basílica de San Sebastián de Diriamba, assediada por homens armados, segundo testemunhas e religiosos. Os dois municípios foram cercados pela Polícia, enquanto ficaram incomunicáveis, sem telefone ou internet.
Pás mecânicas derrubaram as barricadas. Veículos oficiais comemoraram a abertura das vias oficiais da região e a circulação de mais de 350 caminhonetes de carga centro-americanos, que estavam parados há mais de um mês no bloqueio da estrada em Jinotepe.
"Há um ataque desmedido das forças do governo, que está acarretando derramamento de sangue. A repressão de forças combinadas é desproporcional", declarou o secretário executivo da ANPDH, Álvaro Leiva, que disse que estava verificando a existência de mais mortos.
O secretário executivo da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), Paulo Abrao, assegurou, em Manágua, que a "situação permanece crítica" e sua gravidade merece uma "atenção muito especial de parte da comunidade internacional"
Abrao disse que é urgente o cessar da repressão e, principalmente, "que se possam desmontar estes aparatos repressivos pró-governamentais que estão atuando" impunemente no país.
Em Matagalpa, no norte de Manágua, pelo menos uma pessoa morreu no sábado em outra ação violenta em meio aos protestos, segundo a ANPDH.
Ortega, que ressurgiu no sábado em um ato multitudinário de simpatizantes, após mais de um mês de não aparecer em público, tachou os manifestantes de "assassinos" e "delinquentes", que mantêm o país no caos.
- "A história os julgará" -
Como mediadora entre o governo e a opositora Aliança Cívica pela Justiça e pela Democracia - da sociedade civil -, a Igreja propôs a antecipação das eleições de 2021 para 2019.
Mas no sábado, durante o ato em Manágua, Ortega, ex-guerrilheiro de 72 anos, que governa desde 2007 pelo terceiro mandato consecutivo, descartou eleições antecipadas.
"Não podem vir mudar as regras da noite para o dia simplesmente porque ocorreu a um grupo de golpistas", afirmou o presidente.
Báez advertiu que a Igreja continuará apostando no diálogo, mas responsabilizou o governo "se for rompido" por "não ter querido encontrar uma saída pacífica para esta crise nacional que eles mesmos provocaram".
"A história os julgará por serem intransigentes, mentirosos e soberbos", afirmou o prelado, que declarou que nessa mesma tarde a Igreja avaliaria se vai prosseguir com sua mediação no diálogo, às vésperas do retorno das reuniões de mesas de trabalho.
Os protestos começaram em 18 de abril contra uma reforma da Previdência Social, mas diante da forte repressão policial, se estendera, para exigir a saída de Ortega, a quem acusam de instaurar, ao lado da primeira-dama e vice-presidente, uma ditadura marcada pela corrupção e pelo nepotismo.
Para aumentar a pressão contra Ortega, a Aliança Cívica convocou uma manifestação para a próxima quinta-feira e uma greve geral para 13 de julho, a segunda convocada durante a crise, depois de uma celebrada em 14 de junho, que contou com forte adesão de trabalhadores e empresários.
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