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Estado de Minas

O fracasso das UPPs: drama do Rio ganha as telas de cinema


postado em 19/07/2018 10:00

Em um beco da única favela sem tiroteios do Rio de Janeiro, um policial e um traficante conversam e riem juntos. Mas quando o diretor grita "Ação!", tudo muda. E a cena começa a ser mais verossímil.

Estamos na rodagem do filme que pretende retratar um dos principais dramas da cidade: o fracasso da pacificação das favelas. A tranquilidade que reina nesta tarde na Tavares Bastos parece realmente ficção.

Com a sede do temido Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar no alto da comunidade, ali não se ouvem tiros e não se veem traficantes passando com fuzis nem confrontos com a polícia. Também não há crianças mortas por balas perdidas.

"Só tínhamos esta comunidade para gravar sem tem que ter algum tipo de acordo com traficantes ou milícias. Se não fosse a Tavares, teríamos que filmar tudo em estúdio", disse Caio Cobra, o diretor do filme.

As câmaras, as luzes e o exército de assistentes de produção nem mesmo chateiam os vizinhos dessa humilde favela, que frequentemente se torna cenário de filmes e séries.

"Quando eles querem falar de violência, eles não falam de Brasília, não falam das grandes quadrilhas, dos grandes bandidos que acabaram gerando isso aqui, só falam do produto final, que somos nós", queixa-se Cesar Machado, um morador de 66 anos, enquanto observa a filmagem ao sair da padaria.

- Um debate delicado -

Escrito pelo mesmo roteirista de "Tropa de Elite", o ex-capitão do Bope Rodrigo Pimentel, este filme expõe, pelo olhar dos policiais, o desmoronamento das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), lançadas em 2008, em meio a uma grande expectativa popular com a perspectiva da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016.

A protagonista é uma jovem policial que acredita profundamente nesse projeto como uma saída para a violência, mas que verá seu sonho desparecer em um Rio imerso em uma crise econômica e em escândalos de corrupção.

"É um filme que fala sobre o momento do Rio de Janeiro atual, um momento depois de toda aquela expectativa da Copa do Mundo, dos Jogos Olímpicos. Todos os dias nos jornais do Rio de Janeiro tem notícias de moradores baleados, de policiais mortos. Eu achava muito urgente, muito necessário que o cinema brasileiro fizesse esse filme contando o drama dessas pessoas", conta Pimentel.

Para compreender a complexidade dos personagens principais, cinco policiais assessoraram a equipe e alguns até ganharam um pequeno papel.

"O policial também é vítima da violência e sua versão quase sempre foi desdenhada, ocultada pelo cinema brasileiro", diz o ex-capitão à AFP.

O tema é complexo em um estado com dados aterradores de homicídios (cerca de 6.500 em 2017), e com uma polícia que não tem meios adequados para combater o crime organizado e sofre com constantes atrasos salariais.

Os agentes do Rio são os que mais morrem no Brasil, mas são também os que mais matam. Em 2017 mais de 130 policiais foram assassinados e nesse ano esse número já passa dos 60. Por outro lado, 1.150 pessoas foram mortas em ações policiais no ano passado, segundo dados do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro.

A equipe insiste que este será um filme "equilibrado".

"O filme não toma nenhuma frente, não tem uma bandeira, não é panfletário. Ele não defende um lado ou o outro. Ele expõe uma ferida que está aberta e deixa ao espectador entender de que lado ele está", disse o ator Marcos Palmeira, que vive o chefe da UPP, na entrevista coletiva de apresentação do filme.

"O que mais desejo é que esse filme gere discussão, que não gere polarização, que não gere mais ódio, mas que gere reflexão", disse Bianca Comparato, a protagonista.

- Marielle, presente -

Como contraponto à trama policial, será importante o papel da irmã da protagonista, uma fervorosa defensora de direitos humanos negra, muito crítica à violência policial.

"Quando li o roteiro, pensei é a Marielle, é uma voz da Marielle", disse emocionada a atriz Dandara Mariana, referindo-se à vereadora Marielle Franco, nascida na favela da Maré e assassinada a tiros em março, em um caso que comoveu o Brasil e o mundo.

A atriz contou que, para construir o personagem, conversou com pessoas próximas a Marielle, e que, inspirada nela, fez algumas modificações no texto.

O filme foi apresentado à imprensa com o título de "Intervenção", depois da decretação, em fevereiro, da polêmica intervenção federal na área de segurança, enquanto setores da ultra-direita pedem uma "intervenção militar" que ponha ordem no Brasil.

No entanto, ficou claro na apresentação que esse título não conta com a aceitação unânime do elenco e por isso os produtores se comprometeram a buscar um novo nome antes da estreia, prevista para o dia 15 de novembro.


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